sábado, maio 30

:: Sobre os rituais

Eu tenho uma coisa ritualística, em certas ocasiões. Eu acordo, por exemplo, e tomo um copo d'agua gelada. Não sei se isso é mais mania ou mais ritual. Mas na minha casa é assim. Tem o acordar, tem o ler jornal, tem o lavar as roupas brancas e depois as coloridas, tem o ouvir música enquanto tudo isso acontece.

Na Livraria da Vila também tem disso: eu entro, dou uma geral nos livros de gastronomia e bebida. Depois espio os discos de música brasileira e de jazz e pulo todos os outros, que lá não são dos melhores mesmo. Depois tomo um espresso curto no Santo Grão que fica lá nos fundos. E a minha mesa preferida é aquela mais pra direita de quem entra, perto da trepadeira que tomou a parede de uns tempos pra cá.

Hoje foi assim. Depois dos pequenos rituais da manhã, fui à manicure fazer mão e pé e estou com um esmalte novo e vermelho e "im-por-ta-do", minha manicure diz. Depois teve a coisa de comprar meia-calça em dois tons, pra não dar ataque na hora de se trocar. E então veio o almoço no Florinda. O mesmo de sempre: suco (hoje de tangerina porque não tinha o de carambola, que é o meu predileto de lá) + salada marroquina + torta de frango com curry. E então, havaianas pretas e camiseta, dei um pulo na Livraria da Vila pra buscar meu livro da Clarice, que tinha chegado.

E ler Clarice Lispector tem muito dessa coisa dos rituais. Cada coisa que ela registra fica marcada de um jeito dentro da gente. Por isso que a gente tem de ter muito auto-conhecimento pra saber qual é a hora exata de ler Clarice. Clarice exige a hora exata. Eu acho. É assim comigo. A hora de abertura da mente, de serenidade. De muita alegria. Ou muita tristeza. Não importa. Clarice merece momentos especiais. E foi mais ou menos assim.

E agora estou ouvindo Django, deitada no sofá, aproveitando a última frestinha de sol que resta. Olho um pouco meu pé de café, escrevo, leio Clarice. Tudo isso numa calma que até me espanta. E assim me preparo, lentamente, pro casamento que tenho mais a noite. Unhas feitas, a meia-calça de dois tons diferentes para testar o melhor, os brincos de ouro branco com a pedra verde que eu mais gosto, a tranquilidade. E já já tem o cabelo no cabeleireiro, o vestido tomara-que-caia, o sapato.

Hoje nós meninas vamos nos juntar na casa da mamãe e nos arrumar juntas. Também é um tipo de ritual. E eu, na turma das mais duras, vou fazer maquiagem em casa. A sis que vai fazer e vai levar o kit dela que é de uma sofisticação feita pra mim - como se eu fosse de maquiagem, que pose. Como se eu fosse só das coisas sofisticadas. Eu nem contei, mas só vou levar bolsa na festa porque decidimos ir todos (to-dos) de táxi e ele nem vem mais me buscar. E aí preciso carregar minhas havaianas, né. Sofisticação? Eu? Eu vou tirar a meia-calça quando eu não me controlar mais com a música. Eu vou tirar o sapato de cetim e de salto bem alto. Eu vou colocar minhas havaianas (pretinha básica, atenção). E vai ser assim. A pista no maior conforto. Por que não?

Já separei o perfume e o anel para levar pra mamãe. Eu sempre esqueço o perfume. Já separei a minha Nikon para fazer umas fotos da sessão menininhas, que eu adoro. Não sei o que vou fazer com os óculos ainda. Se vou com os verdes ou com os vermelhos. Não sei ainda se deixo os óculos pra lá e fico meio cegueta e evito os detalhes. Às vezes pode ser bom evitar os detalhes. Ainda não decidi, também, se vou levar um disco da Billie Holiday ou da Nina pra gente colocar enquanto se arruma. Mas está decido que a noite será incrível. Porque tem vezes que a coisa é assim mesmo, e nem tem como ser diferente.

quinta-feira, maio 28

:: Histórias de família

Hoje fomos jantar no Dois Cozinha Contemporânea para comemorar o aniversário da sis. Lá pelas tantas, surge um assunto e mamãe diz pra mim:

- Ih, mas nessa época você não era nem projeto.

E então a sis aproveitou a deixa assim:

- Mas a Lu nunca foi projeto.
:: Gaveta

1.

Quando eu era pequena, custava a entender como é que eu tinha só um ano de diferença da minha irmã mais velha. Porque quando chegava no fim de maio, ela fazia aniversário e ficava "dois anos" mais velha que eu, já que eu fazia aniversário só no mês seguinte. Como assim, né? A única coisa que eu entendia perfeitamente era que era uma glória estar "dois" anos abaixo. Eu sempre amei ser caçula - era como se eu tivesse duas mães sempre que eu precisasse (e quisesse) e uma mãe e uma irmã no resto do tempo. Ainda é um pouco assim, confesso, mas agora tenho ainda a "melhor" amiga da vi-da. Depois veio meio irmão mais novo, por parte de pai. E até hoje eu repito ufa que ainda sou a caçula da minha mãe. E meu pai, pra entrar no meu charminho, diz que eu ainda sou a caçula dele também, "caçulas das meninas". E eu acho fofo.

2.

Tem a história do meu irmão pequeno também. A gente tem tanta coisa identica de gênio, que dá aflição. E quando ele era menorzinho, a gente vivia se provocando, na brincadeira. Um dia foi mais ou menos assim, a gente disputando meu pai:

- É MEU pai, Bru.
- Não. É MEU!
- Nem vem que ele é MEU pai antes.
- Não. É MEU!
- Tá, Bru, então nosso pai. Nosso.
- Não. É MEU!
- Mas, Bru... Se o papai for só seu pai a gente não ia ser irmão.

E num ato de de-ses-pe-ro:

- Tá bom, Lu, tá bom. Nosso pai, nosso pai, nosso pai.
:: Pequenos prazeres

Outro dia fui jantar no D.O.M. Olhei o cardápio sem pressa. Esses cardápios sempre deixam a gente na dúvida - dúvida do que é o que e, quando a gente descobre, dúvida do que fazer diante daquilo tudo. Bati o olho num prato com “ervas Luiza” (infusão de capim-santo e hortelã) e quase pedi por impulso. No fim, escolhi algo que eu nunca tinha comido - e é mesmo o que costumo fazer. Então provei a raia na manteiga de garrafa (que perdeu o hífen, óh, céus) e tomilho limão, servida na companhia de mandioquinha defumada, brócolis e espuma de amendoim. Para arrematar, os incríveis sorbets de frutas brasileiras (umbu, cajá e cambuci) que eu insisto repetir e um chá natural sem açúcar.
:: Repeat

:: Registros inúteis

1.

- Lu, casaco novo?
- Não, é roxo.

(e nin-guém entendeu)

2.

- Mãe, quando tem um símbolo com uma mãozinha na etiqueta...?
- É que só pode lavar na mão, filhota.

(Não querendo acreditar ja-mais que ia ter de lavar roupa na mão. Porque é assim, né, a gente vai, compra a tal da calça exatamente na loja que queria e depois tem de lavar na mão. A sua p-r-ó-p-r-i-a p-e-s-s-o-a)

3.

Desesperada porque os ingressos pro Caetano estão à venda e o banco grita: nãããão! Ainda bem que o show é bem pertinho do aniversário e eu confio (com toda fé que deus deu) nas boas ideias.

segunda-feira, maio 25

:: Registros inúteis

E então a gente estava comendo minha salada predileta do Pita, com chancliche, pera, folhas verdes e nozes e ela contou a história assim:

- E eu convenci ela de fazer terapia e agora ela chora todos os dias.

domingo, maio 24

:: Do desconhecido

A vida fica meio estranha quando, num mesmo fim de semana, a gente toma a primeira Krug, compra sapato de cetim, ouve Cartola enquanto relê o livro predileto da Clarice Lispector.
:: Os trechos dos textos proibidos

(...) Não sei direito de onde vem essa vontade de escrever. Talvez tenha sido a salada de verdes, com figo, presunto cru, lasquinhas de damasco e roquefort que minha tia serviu no almoço. Ou o bobó de camarão que saiu fumegante de uma panela enorme que ocupava três ou quatro bocas do fogão (...).

sexta-feira, maio 22

:: Os diálogos

- Ai, que linda essa "pancinha" - fala pra amiga grávida mexendo (que neurose) na barriga.
- É, mas todo mundo acha que eu tô gorda!
- Ah, vá. E eu, que outro dia tive o seguinte diálogo com um motorista da firma:

- E você está grávida de quanto tempo?
- Moço do céu, antes fosse um bebê, viu?!
:: As frases

“Jornalismo é uma excelente profissão desde que deixada a tempo”
(Ernest Hemingway)

quarta-feira, maio 20

:: Registros inúteis

Hoje passei perto de uma loja chamada, a-ten-ção, Koiza Linda - Acessórios, e então achei melhor atravessar a rua.
:: Repeat

"Waters of March" com Anya Marina - e eu quase choro

terça-feira, maio 19

:: Sobre as jovens mães

Desde que BZ (www.pequenoguiapratico.blogspot.com) ficou grávida eu virei fã absoluta de tudo quanto é jovem mãe. E então outra amiga, linda e glamourosa, embuchou (e no dicionário embuchar é "meter no bucho") num dia desses. E ela chama a coisinha que tem dentro dela - que há de sair im-pe-cá-vel se for igual à mãe - de girino. E eu dou risada e acho fofo, dou risada e acho fofo.

E hoje foi assim:

- Ai, esse girino tá acabando comigo.
:: Na Redação

- Queeem gossstaaa de Pedro Mariano? (gri-tan-do)

As respostas:

- Eu gosto do silêncio dele.
- Se alguém gostar, não me conta!
- Se alguém quiser o CD pega à noite, quando nin-guém estiver vendo.

E depois uma delas veio me contar que participa de uma ONG da "vergonha alheia" e eu a-mei!
:: Diálogos de almoço

- Você bebe [alcoólicos] em todas as refeições?
- E entre as refeições também.

***

- Você vai beber cachaça e vinho?
- Não. Primeiro cachaça e depois vinho. Não gosto muito de coquetéis.
:: No trabalho

"Lu, tá tudo bem, mas o Caetano caiu do palco durante um show em Brasilia"
:: Pequenos mimos

Hoje, pela manhã, ela trouxe para o jornal água de coco fresquinha, tirada da fruta e eu até esqueci como estou com sono.
:: Das minhas amigas sapatas

- olha, tô com alergia mesmo (mostrando o braço com bolinhas vermelhas)
- ai, amore!
- eu devo ter tomado alguma picada, o médico disse.
- picadura?
- nunca, picadura é morte certa!

sexta-feira, maio 15

:: Rotina

Aqui é assim: o jantar começa com entradinhas e espumante, depois surgem os vinhos tintos. Na sobremesa, um rosé e, antes de dormir... um chazinho pro melhor sono com sonhos e tudo.






:: Flashes





:: Das frases

Viagem tem essa coisa das frases. No avião ele comia chiclete sem parar e depois confessou:

- Eu larguei o cigarro e fiquei viciado em chiclete de nicotina.
:: As companhias

Tem os vinhos, os cavalos, a boa comida, o sol com frio cortante, as lindas paisagens. Mas tem mais que isso. Num momento em que meu forte não é "ser" social, tive a sorte de vir para Mendoza com pessoas queridas e engraçadas e interessantes e faceis de conviver.

Então não tem essa coisa do esforço social porque a coisa simplesmente acontece. E o pânico de não ter trocado dinheiro e de não ter tido tempo de comprar o adaptador universal passou rapidamente quando vi que todos os meus iguais estavam na mes-ma situação. Então sofremos juntos na hora de gastar uns dólares no adaptador e decidimos juntos não trocar pesos e usar cartão de crédito.

E aí vieram as centollas no mercado muncipal de Santiago, no intervalo de um voo pro outro. Depois os brindes com vinho branco. Aí tem essa coisa de chegar na casa de Terrazas e encontrar um quarto deslumbrante, com um chapéu de palha sobre a cama e depois sair fazendo pose, junto com a cambada.

E então um diz que ser jornalista é a forma mais chique de ser pobre e eu anotei minutos depois, quando parei de rir. E tem sido mais ou menos assim.
:: Os familiares

O avô dele era dono de uma funerária e músico de jazz.

terça-feira, maio 12

:: Da lista de "odeio"

Odeio quando o garçom puxa a minha cadeira quando vou sentar.
Odeio quando o couvert é imposto e eu fico sem graça de recusar.
Odeio quando fico com preguiça e penduro roupas no cabide do banheiro.
Odeio ter sono no trabalho.
Odeio andar de salto.
Odeio quando esqueço de regar o meu pé de café.

domingo, maio 10

terça-feira, maio 5

:: Na virada

O melhor de tudo foi a menina, ali no Trio Mocotó, no meio daquele monte de gente, aos berros no celular com a amiga:

- Eu estou aqui na frente de um palco que está escrito "Virada Cultural", vem pra cá!

Também teve a surpresa num meio café meio boteco ali perto do palco de Iará Rennó, Anelis Assumpção, Danilo Moraes e cia. Um lugar com uma (uma) mesa de plástico e salgados frios à vista e... a minha matéria de cafés caseiros que saiu há algumas semanas na Ilustrada, pedurada com um prego (com-um-pre-go) naquela parede da direita, que não tinha mais na-da.

domingo, maio 3

:: Manhã de saudades

Está tudo bem. Hoje o dia amanheceu ensolarado e não custei a levantar. Armários absolutamente arrumados. Toalhas brancas com cheiro de lavanda estendidas. O vaso de flores no centro da mesa. E então veio a manhã de saudades. Ao sol, Caetano canta ao vivo aquele disco antigo e as palmas e as letras que eu decorei quando era pequena e a saudade de cozinhar com meu pai, enquanto ele pedia cuidado redobrado com as facas e eu cortava cebolas. Eu sempre cortava cebolas. Eu cortava cebolas e ele ao lado entretido com alguma missão mais complexa e a vista para o gramado do terreno da praia e Caetano ao fundo e a gente cantando junto. Desde pequena eu canto junto.

Está tudo bem. Outra dia encontrei as amigas que tanto gosto e ela preparou um jantar completo, com verdinhos da horta que ela cuida religiosamente, com conserva de limão-siciliano, com ovo perfeito servido em panelinhas Le Creuset coloridas pequenininhas, polvilhado com uma farinha de pão para tempura, que vai à frigideira e depois se mistura com alho bem picadinho (beeeem picadinho, ela repete), salsinha, sal. Tudo sobre um purê de cara que ela demorou horas para fazer e um toque final de flor-de-sal e azeite trufado. Mas, depois de tudo, de um, dois dias, veio a manhã de saudades. Saudades de ler Mafalda na cama enquanto ele me interrompia com as melhores passagens de Irmãos Karamazov nos feriados na praia. Saudade das orquídeas, das noites de jazz. Das juras de amor eterno.

Está tudo bem. Hoje pela manhã tinha e-mail dela com elogios aos discos que gravei para levar na bagagem e à minicasa – “que é com certeza a mais fofa que eu conheço”, disse ela, zero surpreendida. E mais trechos celebrando a nossa amizade. E ela não é muito das celebrações exageradas, dos abraços apertados que duram muito, dos olhos nos olhos quando digo como eu vou sentir saudade, eu sei. Aproveita o jeito rebuscado tão peculiar pra falar de mim... “Sempre foi unânime que eres um ouvido e conselheira absurdamente incrível e você não sabe como agradeço aos céus por você estar aqui naquele dia de bodinho do ano”. E meu olho até enche porque aí veio a manhã de saudades e eu lembrei do queijo e vinho que ela preparou especialmente pra mim, em plena Paris. E o capricho daquele ritual que veio pra ficar. Porque a gente teve ataque de riso enchendo o colchão de ar, porque ela comprou lindas taças de Bourdeux e um vinho melhor que a média. Ela queria celebrar aquele momento. E eu brindei. Eu só podia brindar. Ela, que é pentelha com o dinheiro e economiza em tudo, comprou queijos de todas as espécies e colocou a minha Nina Simone para tocar. E eu só podia brindar.

Está tudo bem. Hoje almocei no Filial em boa companhia e depois fui na casa dela, recém-chegada da Europa, para abraçar apertado. Ganhei gatinho miniatura de Amsterdã, que é o predileto, peguei a obra das girafas, que é a predileta, tomei coca light e matei a saudade. Mas antes, teve mesmo a manhã de saudades. Saudade de quando eu ainda era adolescente e ele dizia que ia beijar uma sardinha de cada vez – e, que quando acabasse, ia começar tudo de novo. E era assim mesmo que fazia. Saudade das horas na rede e das conversas sobre as profundezas dos sentimentos. E as lembranças de quando as meninas planejavam os fins de semana de escalada e padaria. E as lembranças de quando eu andava a cavalo por horas e subia nos pés de amora no sítio do vovô. Saudade do ovo mexido com macarrão que mamãe fazia quando eu ficava manhosa e das histórias das lágrimas que a gente inventava antes de dormir.

Está tudo bem. Ele me liga para dar boa noite e diz “eu só queria dar boa noite”. E eu adoro, ele sabe. Ele me busca quando vamos sair e vai ao parque comigo quando dá vontade. Me leva para tomar caipirinha de lichia do Astor quando fico com desejo e entende bem minhas angústias e dúvidas. Mais: ele entende minhas alegrias. Me ouve por horas. Fala por horas. Gosta dos discos que eu gravo e diz que, apesar de não ligar muito pra tatuagem, gostou do Calder que tenho no ombro. Mas entre uma coisa e outra veio a manhã de saudades. E eu simplesmente não gosto de sentir saudades.