quarta-feira, junho 23

:: A minha musa

Nina Simone. Quem não sabe? No último domingo fui arrancada da cama. Era dia de arrumar a casa da mamãe com frescurinhas bem femininas para receber a família para o almoço que ia comemorar o meu pior aniversário. Então minha madrinha chegou cheia de flores, ainda pela manhã. Como costuma ser. Eram flores que pareciam esculturas delicadíssimas, bem como eu gosto. No banheiro branco, branco, montou um miniarranjo num vaso micro. Na verdade, uma leiteirinha de cerâmica, florida, que ela trouxe de uma feira de antiguidades lá de Londres. Quando fui, trouxe duas para mim também. Tinha me apaixonado.

Enquanto isso, era ela que tocava e cantava ao fundo. Escolhemos um disco com blues mais animados porque quando ela dá pra cantar coisa pra baixo, ninguém aguenta. Bem, eu, pelo menos, não aguento. Minha madrinha cantarolou junto, alguns trechos de algumas canções. Estava na mesa de madeira que fica ali nos fundos, a mesa de costura, e uma fresta de sol entrava pela janela enquanto ela cortava talos das menores flores para organizá-las em vasos. Abriu os olhos azuis, que às vezes chegam a doer com a luminosidade, de tão claros, e me contou dos três shows da Nina que assistiu. Três shows, ela disse.

Um deles no Free Jazz Festival, no Anhembi, em 88. Ali naquela época, aos sete anos, eu já devia desconfiar que Nina ia ser minha musa tempos depois. E pra sempre. Mas não fui ao show. Será que eu poderia? Já nessa idade, mamãe me levava pros shows do Rumo, do Caetano e outros mais. Desde pequenininha. Um dia, me lenbro bem, até hoje, fiquei tão irritada. Tivemos de voltar horas mais cedo do sítio num domingo, porque à noite Caetano ia cantar. Hoje, ela sabe, agradeço. Faria o mesmo com os meus filhos.

As flores estavam prontas. E eu colocava a Nina para tocar de novo e de novo enquanto lavava as minialfaces que mamãe havia comprado no Santa Luzia. Em cima daquele monte de folhas verdinhas, verdinhas, coloquei quatro ou cinco flores comestíveis. Já pensou que lindo?

Depois papai chegou. Pouco depois. Eu ainda estava de havaianas e cabelo preso. Soltei o cabelo. Tirei as havaianas. E a Nina continuou. E então papai também lembrou de quando foi vê-la ao vivo e me contou detalhes da primeira vez que ouviu um vinil dela. Na casa de uma amiga. Uma amiga da faculdade. Uma amiga da faculdade que morava em Nova York e, de volta ao Brasil, trouxe um monte de vinis desse mesmo calibre. E ele ouviu e sentiu algo parecido com o que sinto até hoje com ouço aquele piano e aquele timbre de voz. Por isso a gente se entende tão bem. Também por isso.

Um comentário:

ian.press comunicação disse...

que delícia! tudo juntinho. bom poder desfrutar de momentos assim, não é mesmo?

beijo-beijo