terça-feira, agosto 31

:: Registros unúteis

Ela disse que "tá tudo bem", que a mãe dela a ensinou roer todas (to-das) as unhas das mãos e dos pés antes de ligar.
:: Pequenas histórias

Outro dia, ele me contou que ia à feira muitas vezes com os pais, que cuidavam de uma barraca de doces. Passou um tempo, ele enjoou dos doces, parece. Ainda criança. Às vezes, demorava tanto para ir embora para casa, que sua mãe ia para debaixo da barraca com ele e com os irmãos. E lá ficavam. Ficavam deitadinhos em uma lona olhando os pés das pessoas que passavam de cá pra lá. Observavam os detalhes até serem capazes de identificar quem era quem. Uma senhora? Uma criança? Um pai de família? E o tempo passava e eles nem se davam conta. Lá pelas tantas, já era hora de irem para casa.

sábado, agosto 28

:: Caderno de notas

Ai, esse trecho de Tabacaria, de Álvaro de Campos. Olha:

"Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida."

segunda-feira, agosto 23

:: Das dicas

Não vá ao Santa Luzia. Você vai ficar pobre e gordo.
:: Registros inúteis

Ela diz: a pitanga do bolo. Adoro, vou adotar.

sexta-feira, agosto 20

:: Pequenas alegrias

Ela disse que quinta é o dia que mais gosta da Ilustrada porque tem a coluna do Contardo e matéria minha.
:: Gaveta

Outro dia me deram filetinhos de cana "in natura" para comer. E então mastiguei aquilo e lembrei de toda a infância. Da época em que eu acordada cedinho nas férias, na ponta dos pés, com o dia ainda coberto pela neblina do frio da manhã, e saía de bota para passear pelo sítio, antes do café. Dava uma olhada nas vacas, celava os cavalos e ia comer pão com frutas. Depois, passava o dia cavalgando. O dia. Se fizesse calor, a gente parava no meio do canavial, com alguém mais velho, que pudesse mexer com faca, e comíamos a cana ali mesmo. Vez ou outra, guardávamos um pedaço parrudo para comer em cima do cavalo, de volta pra casa, e ficávamos mascando aquilo até sobrar aquele tanto de fiapo.

quinta-feira, agosto 19

:: Repeat

O piano de Art Tatum é uma das coisas que me acalmam muito hoje em dia. Já "La Muerte Del Angel", de Piazzolla, me deixa com uma agonia difícil de explicar.

quarta-feira, agosto 18

:: Caderno de notas

Eu: Mas eu preciso explicar isso?

Ela: Precisa. Pensa que você está escrevendo para quem compra leite de saquinho tipo C.
:: Concha

Isso aqui é uma selva. Mas às vezes é como se eu me sentisse numa concha. Ela, que senta aqui nas vizinhanças, fez chá de hortelã pela manhã, para que eu me acalmasse. E a mocinha lá do outro lado da Redação me trouxe uma madeleine deliciosa, embalada num pacote de presente.

terça-feira, agosto 17

:: Cenas

Não deve ter sido das cenas mais bonitas, mas eu cantei no carro de novo. E alto. Essa música aqui, que eu queria ter escrito, mas foi o Gil. rá

Essa é pra tocar no rádio
Essa é pra tocar no rádio

Essa é pra vencer o tédio
Quando pintar
Essa é um santo remédio
Pro mau humor
Essa é pro chofer de táxi
Não cochilar
Essa é pro querido ouvinte
Do interior

Essa é pra tocar no rádio
Essa é pra tocar no rádio

Essa é pra sair de casa
Pra trabalhar
Essa é pro rapaz da loja
Transar melhor
Essa é pra depois do almoço
Moço do bar
Essa é pra moça dengosa
Fazer amor

Essa é pra tocar no rádio
Essa é pra tocar no rádio

segunda-feira, agosto 16

:: Caderno de notas

"Vou te contar um segredo: eu gosto de você pra sempre"
:: Os dias

Acordei cedo, sem perder a hora ou enrolar na cama. Fiz meus compromissos matinais sem sofrimento. Fui para o jornal ouvindo música e can-tan-do. Cheguei e trabalhei sem parar. Isso tudo hoje: uma segunda-feira de muito, muito frio. Deve haver alguma coisa errada. Ou, de repente, alguma coisa está entrando nos eixos.

domingo, agosto 15

:: Caderno de notas

Pra mim, Billie Holiday, só Nina Simone.

sexta-feira, agosto 13

:: Registros inúteis

"Só se fala em outra coisa"

terça-feira, agosto 10

:: Pequenos prazeres

Ela ia ter de trabalhar para além do horário da novela. Mandou recado me convidando para ir pra lá. "Aqui tem presunto de parma, queijinhos, patês, pães e... Coca zero. Podemos ver novela e trabalhar mais depois. Vem?"
:: Registros inúteis

- Hoje eu não posso, vou encontrar aquele amigo - diz meu amigo gay recusando meu convite pra um café.

- E vocês vão ficar?

- Claro que não. Ele é meu amigo de anos.

- Seu amigo de ânus?
:: Caderno de notas

Coisas que eu grifo nos livros da Clarice...

"Quanto à música, depois de tocada, pra onde ela vai? A música só tem de concreto o instrumento. Bem atrás do pensamento tenho um fundo musical. Mas ainda mais atrás do pensamento há o coração batendo. Assim, o mais profundo pensamento é um coração batendo."
:: Caderno de notas

Acho que ele sabe que tem algo a ver com Fernando Pessoa ou Álvaro de Campos o fato de eu chamar a padaria de padocaria.
:: Registros inúteis

Ele voltou lá da praia dos pinguins e mostrou a foto: essas gaivotas foram todos os pinguins que vimos por lá.
:: Diário de um gato II

Não é só. De ontem pra hoje Moacir aprendeu mais: agora abre o armário, puxa uma gaveta, pula dentro e fica lá, dormindo enrolado em meias, calcinhas, lencinhos floridos.

sábado, agosto 7

:: Diário de um gato

Moacir tem uma autonomia que me espanta: abre o armário quando bem entende e tira de dentro algo para brincar. E brinca loucamente.

quinta-feira, agosto 5

:: Leituras

Li, de ontem para hoje, numa tacada só, "Chet Baker - Memórias Perdidas". Eu devia estar meio desorientada quando fui à livraria. Não tinha meu chá de cidreira e tive de tomar um de camomila. E então levei este livro pensando que era a biografia. Mas não. São relatos em primeira pessoa. Relatos mal escritos.

Me incomodou um pouco. Uma tradução porca que não tomou cuidado com coisas básicas do português e termos batidos que deram a sensação de estar lendo qualquer autor. O livro em si também não me disse grandes coisas. Ele se pica, vai preso, toca num canto, se pica. Aquele ciclo. Mas, no meio das palavras, encontrei detalhes que fizeram com que a minha leitura valesse a pena. Chet Baker gostava de comer caqui do pé.

No inverno poderoso, tinha de deixar o bocal dos instrumentos de sopro na boca, senão congelava e, na hora de tocar, congelava os lábios. Numa primavera, que passou nos arredores de Berlim, costumava velejar durante horas num lago. Sozinho. Sozinho com um radinho portátil, onde ouviu pela primeira vez Dizzy Gillespie. Ai. Lá pelas tantas, até trocou um anel de "ouro com uma água-marinha de dois quilates e duas safiras" por um pequeno bote a motor, usado para levá-lo da margem até o barco a vela.

Chet Baker cresceu numa fazenda. Nos verões, caminhava na estrada de terra para colher framboesas silvestres. Também comia melões. Os colocava sobre a cabeça para que caíssem no chão e, na queda, abriam sobre a terra e ele podia escolher os pedaços mais adocicados. Sua mãe trabalhava numa fábrica de sorvetes e levava sorvete para casa todas as noites.

Também gostava de mergulhar em busca de conchas de madrepérolas.

Foi com o pianista de Peggy Lee, Jimmy Rowles, que aprendeu "sobre como simplificar as coisas e não complicar demais a maneira de tocar meu instrumento". Tocou com Dave Brubeck, Paul Desmond, Stan Getz, Charlie Parker, Gerry Mulligan.

Quando foi preso na Itália, sua mulher mandava livros e mais livros. E ele lia. Lia. Tocava um pouco de trompete. Compunha. Conta de um dia em que tocou num clube em Nápoles um sujeito roubou seu trompete. "Imaginei que fosse porque costumavam me chamar de 'trombo doro', e o cara que levou o trompete deve ter achado que ele era mesmo de ouro bruto."

Comia espaguete com garçons, músicos e barmen depois dos shows. E foi na cozinha que começou a tocar flugelhorn.

terça-feira, agosto 3

:: Caderno de notas

"Você não tem a posse do sentimento. Você tem o potencial."
:: Registros inúteis

- Filha, vou fazer um escondidinho de linguiça toscana, bem picadinha, e batata, que você acha?
.
.
.
- Tá pronto. Mas ficou aparecidinho!

segunda-feira, agosto 2

:: Cidade dos sonhos

- Ei, vamos na livraria agora? Tomar um chá e ver uns livros?

- Não, né...

- Vamos, vamos!

- Agora?

- É. Você aperta um botão aí e aparece aqui. E aí vamos na Livraria da Vila, que é minha predileta. Tomamos um chá de cidreira com bolo de limão. Bolo de limão com raspas de casca de limão em cima. E então cada um faz uma pilhinha de livros. Cada um faz a sua e leva pro café, lá atrás, onde a gente deve sentir um pouco de frio.
Mas tudo bem. Ficamos quietinhos vendo nossas pilhinhas de livros e resolvendo o que levar. Hein, hein?
:: Pequenos diálogos

Ele: Olha uma coisa: você me ama?
Eu: Amo.
Ele: Eu também te amo.
Tá vendo? O amor está em tudo.