:: Os livros, as lembranças
Hoje amanheci bem cedo para mexer nos livros de comida. Há um, dois dias adiei esse momento. Para mexer com os livros, eu preciso de tempo. Então selecionei todos aqueles quatro ou cinco que me interessavam e fiz uma lista de outros para comprar, onde posso caçar uma informação ou outra sobre o que preciso. Algo me desestruturou, no meio do caminho, e deixei os livros de lado. Peguei para folhear, mais uma vez, "Um Tratado da Cozinha Portuguesa do século XV". Na primeira página, a letra do meu avô, com uma dedicatória de 2002, antes de morrer. "Um dos meus guardados", dizia. Meu avô sempre foi um colecionador. Herdei essa mania dele. Ele colecionava obras de arte, livros e discos. Tudo devidamente catalogado. E esse, olha só, quando comecei a escrever de comida, ele me deu. Mas ele fazia muito mais. Ele imprimia todas as notas que eu escrevi lá no comecinho da carreira e, nos almoços de domingo, vinha com um punhado de papéis na mão, para mostrar meus feitos aos familiares. Um dia, me deu um mapa. Um mapa do mundo, desses que hoje a gente compra no farol. E disse: "Você é uma jornalista e precisa saber muito bem o mapa". Depois ele morreu. E eu joguei na cova, aos prantos, uma carta enorme de páginas e páginas. Queria conversar. Era isso. O que eu mais senti falta naquele dia do enterro foi de conversar longamente com ele. Então escrevi uma carta. Uma longa carta, como uma conversa. Como se ele estivesse ali perto de mim. Ele morreu e nem sabe que hoje ainda escrevo sobre comida, sou louca por livros, tenho "os guardados" dele comigo sempre, em destaque. Ele morreu e nem desconfia que, até hoje, ainda não aprendi bem a disposição dos países no mapa, dos oceanos, das ilhas. Mas hei de aprender. E, quem sabe, sento para escrever uma outra carta. Outra longa carta. Como uma conversa.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário