quinta-feira, setembro 24

:: Exercício de respiração

No meio de uma tarde de chuva, ele me manda pequenos agrados pro coração. Hoje foi Baden Powel e seu “Sorongaio”. Fazia um dia ou mais que ele queria mandar uma dessas pílulas pro ouvido no meio de uma tarde. Acho que esperou a chuva, ou a música certa. Tem sido assim. Ele sabe que as histórias musicais são as mais fortes na minha pequena vida. Entende porque é como se sentisse quase igual. E então transmite esses espasmos de alegria para dividir. Tem sido assim. Descobri agora há pouco que sorongo é uma dança negra de origem africana - certamente ele sabia. Eu devia ter feito parágrafo, mas, sabe, quando escrevo pra ele, não tem parágrafo. Nem deveria ter ponto. Não entendo bem por que é que “Sorongaio” quase me fez chorar. Ele me ensinou outro dia que o choro vem quando a gente transborda. Quando contei isso a ela, em seguida ela escreveu numa carta de amor que o choro encontra a saída que as palavras não conseguiram achar. E eu achei lindo. Tem sido assim. Uma coisa de transbordar. E aí faço “Sorongaio” repetir até cansar. Mas não cansa. Toca o fundo da gente, faz tremer a ponta dos dedos, remexe lá dentro, arrepia as superfícies, faz fechar os olhos úmidos e volta ao zero. E recomeça. Ele diz isso também. Algo sobre as pequenas mortes e sobre os recomeços. E eu ouvia com dor. Hoje ouço até quase compreender. Tento compreender até sentir. E acho até que consigo sentir. Tem sido assim. Pequenos aprendizados para não desorganizar. “Pequenos” só pra disfarçar a grande desorganização que é o aprender. É mais, até. É como se fosse um exercício de autoconhecimento. Coisa que vira a gente de cabeça pra baixo até a gente entrar dentro da gente tudo de novo pra se conhecer. Até dói. E Baden Powel repete outra vez seu “Sorongaio”. Os olhos quase fecham e uma imagem desconhecida de pés negros e descalços batendo num chão de terra vermelha e a poeira e o ritmo e a sincronia. Talvez seja um pouco resquício da Pina Bausch que assisti numa segunda ou terça à noite, dia desses. Stravisnky e sua “Sagração da Primavera”, diz o jornal da cidade grande, “é como um rito de passagem”. E então fico tentando entender por que será que as coisas às vezes se encaixam - mesmo num emaranhado todo confuso, conflituoso e obscuro, elas, simplesmente, se encaixam.

2 comentários:

de vries disse...

"pequena morte" é outra coisa....

lufec disse...

eii, não quebra o clima!