terça-feira, agosto 25

:: Carta aberta

Florzinha,

faz tempo que estou te devendo um obrigada como você merece, eu sei. O jantar que você preparou com as suas próprias mãos me marcou de um jeito que fiquei travada para escrever. Acontece, às vezes, quando aparece uma coisa muito boa. Ou muito ruim. E a comida tem dessas coisas de mexer com os sentimentos, você sabe.

Confesso que fiquei impressionada com a casa, com a rua sem saída, cheia de árvores, com o caminho detalhado à perfeição. Depois, o labrador abanando o rabo no portão e eu um pouco tensa porque estava com meu vestido predileto. A moça que trabalha na sua casa gritava pela sua mãe enquanto eu esperava na porta. Sua mãe, esbelta, bem vestida e querida. Muito querida. Eu devia imaginar.

Teve a coisa do meu tio também, não nego. Essa coisa dos projetos dele terem sempre um tipo de calor que eu não sei bem explicar. Mas é como se a gente tivesse ligada, de alguma forma até familiar, naquele espaço. Depois, os irmãos gêmeos, a irmã mais nova, as histórias do quase ex-namorado. Eu estava com saudades, sabia?

E então você me convidou para conhecer a cozinha e eu pensei "ufa ufa" que vou conhecer a cozinha de vidrotil preto. E foi bem como eu imaginava, mas sem as lindas panelas Le Creuset sobre as bocas do fogão. Sem a vista para a cidade, dos janelões. Sem o perfume da comida. Sem a hortinha no parapeito. Que linda aquela hortinha.

Os sofás confortáveis, os arranjos de orquídeas espalhados por toda a casa. E eu adoro flores. A que você me deu de aniversário ainda está no meu vaso mais bonito, bem no centro da sala. Uma salinha tão pequena que faz ressaltar ainda mais o bambu da sorte (ou é bambu imperial? eu costumo te perguntar).

Você teve de explicar a receita com detalhes pra eu acreditar que aqueles canapés todos você tinha preparado sozinha. E eu anotei cada um deles. E acreditei. Seu pai serviu um Gran Coronas tinto, espanhol, em taça de cristal, e eu bebi um gole ou outro porque ia dirigir depois. Você vem da cozinha com lindos suportes de canapés com esculturinhas de comer. E aí a comida é bonita. E a comida é gostosa. E eu adoro esse pacote que mistura os melhores sabores com um visual de botar reparo.

Primeiro, canapés de abobrinha com queijo de cabra e baby rúcula. Tem de grelhar na chapa bem quente as fatias fininhas de abobrinha, você ensinou. Se puder, use queijo holandês, que é mais firme, e fatie com descascador de legumes, sabe? Sei, mocinha. Sei. Para amarrar assim, use salsinhas depois de branqueadas. Esse processo chama branquear, água quente e depois água fria. Seca e amarra os rolinhos de abobrinha recheada.

Desacreditei.

E então as peras com presunto cru e mais baby rúcula. Depois as bruscchettas com brie e mel de trufas. Tá vendo aqui? É o mel de trufas, dá pra fazer só com mel, mas esse, com trufas, deixa mais gostoso. Deixa mesmo. Eu sei. E ufa que tenho o tal do mel de trufas em casa para imitar sem gastar mais.

Seu pai cuidou do prato principal, o penne com molho de tomate e pancetta picante, que estava mesmo incrível. E é coisa pra homem, parece. Eu não ia reconhecer a sua delicadeza ali.

Eu já não aguentava mais comer, verdade. E não gosto muito dessa sensação de estar estufada (e meu pai me ensinou "satisfeita"), à noite. Mas não resisti. E depois de me prometer pular a sobremesa você surge com aqueles figos recém-saídos da frigideira, servidos com mascarpone ("batido com açúcar e raspas de limão-siciliano, Lu"), regado delicadamente com uma redução de balsâmico com mel. E eu nem te agradeci como fiquei com vontade de agradecer. Mas está aqui. E, o que quero dizer, é que não vou esquecer. E gosto de cada detalhe. Mais ou menos como você faz na cozinha. Não esquece nenhum detalhe. Nenhum.

Um comentário:

Olha ela disse...

Ai, amora. Derrubei uma minilágrima.

Você é muito querida! Obrigada por tudo que nem cabe aqui.

Bjos,

Nina