:: Um domingo de verdade
Domingo de verdade é aquele em que a gente dorme um tiquinho mais do que devia. Domingo de verdade é aquele em que abre sol e a gente enche os regadores para regar as plantinhas da varanda. Domingo de verdade é aquele em que a gente ouve música alto e bebe cerveja gelada. Domingo de verdade é aquele em que a gente lava roupa e prega quadros novos na parede. Domingo de verdade é aquele em que a gente usa vestido de praia e anda de havaianas. Domingo de verdade é aquele em que a gente dá risada e almoça baião de dois (que perdeu o hífen, céus) no bar do Biu, onde vamos a pé. Domingo de verdade é aquele em que, depois de tudo isso, a gente ouve as mulheres do jazz, grava um disco especial para um amigo especial e nem sofre porque, antes de dormir, vai ter de trabalhar um pouquinho.
domingo, outubro 18
:: Cantinho da saudade
(numa versão para olhar)
Saudade da livraria de Tiradentes
Saudade dos cafés da manhã sob as parreiras de Bento Gonçalves, com cueca virada e suco de uva natural e integral
Saudade das cores e das frutas do Peru
Saudade das lojas de vinil de jazz de Paris
Saudade do meu café predileto de Paris
Saudade dos passeios solitários e do diário nos parques com a melhor trilha sonora
(numa versão para olhar)
Saudade da livraria de Tiradentes
Saudade dos cafés da manhã sob as parreiras de Bento Gonçalves, com cueca virada e suco de uva natural e integral
Saudade das cores e das frutas do Peru
Saudade das lojas de vinil de jazz de Paris
Saudade do meu café predileto de Paris
Saudade dos passeios solitários e do diário nos parques com a melhor trilha sonora
sábado, outubro 17
:: A cozinha de presentes
Comprei tudo o que eu pude pra minha minicozinha. E, sem congestionar, também o que eu não podia. Hoje foi presente, olha. Fui jantar nos sogros. Levamos tomates DOC, vindos diretamente da Itália, docinhos de aguar a boca. Eles acenderam a brasa de lenha do forno de pizza e, pra começar, um pão caseiro de linguiça. Depois, pizza com presunto parma, depois com rodelinhas de tomate, com pesto de azeitona e folhinhas de manjericão do jardim. Uma beleza. Cervejinha, a coca light de sempre. Tom Jobim ao fundo fazendo o que ele sabe de melhor ao piano.
E então, levei bolo do Melhor Bolo de Chocolate do Mundo e, na hora de ir embora, levamos um bolo de cenoura diferente de tudo que já comi. Qualquer hora escrevo detalhes aqui. Mas, atenção: eu ganhei uma panela de barro capixaba, queimada e defumada em forno a lenha. Não aguento esse tipo de gesto. Coisa linda.
Outro dia, fomos comer lá, naquela casa gostosa com jardim e plantinhas, e acompanhamos o passo a passo da moqueca, com coentro, azeite de dendê e leite de coco. E então ficou essa coisa da panela no ar, porque fiquei morrendo de vontade de imitar a receita, mas não tinha a tal da panela. Eles adoraram e eu, mais ainda. Presente ideal pra ganhar num sábado a noite. Porque amanhã é domingo e, adivinha? Vamos preparar uma deliciosa moqueca, pendurar quadros e quadros, ouvir as mulheres do jazz, porque está uma chuva que convida.
Por agora, de pijama de flanela no sofá, escrevendo, lendo, tomando um chazinho francês, que ela trouxe de Paris já deve fazer um ano e eu economizo, muitíssimo bem acondicionado.
Comprei tudo o que eu pude pra minha minicozinha. E, sem congestionar, também o que eu não podia. Hoje foi presente, olha. Fui jantar nos sogros. Levamos tomates DOC, vindos diretamente da Itália, docinhos de aguar a boca. Eles acenderam a brasa de lenha do forno de pizza e, pra começar, um pão caseiro de linguiça. Depois, pizza com presunto parma, depois com rodelinhas de tomate, com pesto de azeitona e folhinhas de manjericão do jardim. Uma beleza. Cervejinha, a coca light de sempre. Tom Jobim ao fundo fazendo o que ele sabe de melhor ao piano.
E então, levei bolo do Melhor Bolo de Chocolate do Mundo e, na hora de ir embora, levamos um bolo de cenoura diferente de tudo que já comi. Qualquer hora escrevo detalhes aqui. Mas, atenção: eu ganhei uma panela de barro capixaba, queimada e defumada em forno a lenha. Não aguento esse tipo de gesto. Coisa linda.
Outro dia, fomos comer lá, naquela casa gostosa com jardim e plantinhas, e acompanhamos o passo a passo da moqueca, com coentro, azeite de dendê e leite de coco. E então ficou essa coisa da panela no ar, porque fiquei morrendo de vontade de imitar a receita, mas não tinha a tal da panela. Eles adoraram e eu, mais ainda. Presente ideal pra ganhar num sábado a noite. Porque amanhã é domingo e, adivinha? Vamos preparar uma deliciosa moqueca, pendurar quadros e quadros, ouvir as mulheres do jazz, porque está uma chuva que convida.
Por agora, de pijama de flanela no sofá, escrevendo, lendo, tomando um chazinho francês, que ela trouxe de Paris já deve fazer um ano e eu economizo, muitíssimo bem acondicionado.
sexta-feira, outubro 16
:: Planos de um domingo
Eu quero que neste domingo faça sol, mas não muito calor. Devo dormir até um pouco mais tarde porque sábado tem inglês pela manhã, plantão no jornal pela tarde e compromisso familiar no jantar. Céus. No domingo quero acordar em silêncio e ouvir as mulheres de jazz, dependendo do tempo. Talvez, se fizer chuva. Se fizer o sol que eu espero, talvez ouça Chico Buarque pra comer o dia com calma e, passadas algumas horas, devo ouvir Lucas Santtana e Junio Barreto. E então, aos poucos, vou separar alguns ingredientes sobre a pequena bancada da cozinha.
Quero cozinhar alguma coisa especial. Pode ser um prato principal bem simples e caseiro pra dar espaço para a sobremesa. Decidi que, neste exato fim de semana, vou fazer os bolinhos mornos de banana do Carlota darem certo. E o doce de banana há de escorregar lá de dentro do bolinho como acontece com um impecável petit gateau. Na verdade, talvez eu peça pra ele fazer o prato principal. Não quero me estressar.
Quero um domingo de paz e de afazeres que hão de me tranquilizar. Vou juntar todos os livros de comida que não cabem nas prateleiras num canto, de maneira organizada até a bancada da sala ficar pronta. Depois, vou juntar a pasta de documentos para arquivar um por um, como costumo fazer a cada mês que passa.
Devo tirar as roupas daquela parte central do armário para dobrar melhor e deixar com uma cara mais organizada. Vou comprar coca-cola pra tomar enquanto isso. Se tiver sol, talvez eu tome uma das cervejas especiais que costumamos deixar na geladeira.
No final do dia, acho que vou ver um filme bem leve. Já pensou de fosse Julie & Julia? Contando os dias...
Eu quero que neste domingo faça sol, mas não muito calor. Devo dormir até um pouco mais tarde porque sábado tem inglês pela manhã, plantão no jornal pela tarde e compromisso familiar no jantar. Céus. No domingo quero acordar em silêncio e ouvir as mulheres de jazz, dependendo do tempo. Talvez, se fizer chuva. Se fizer o sol que eu espero, talvez ouça Chico Buarque pra comer o dia com calma e, passadas algumas horas, devo ouvir Lucas Santtana e Junio Barreto. E então, aos poucos, vou separar alguns ingredientes sobre a pequena bancada da cozinha.
Quero cozinhar alguma coisa especial. Pode ser um prato principal bem simples e caseiro pra dar espaço para a sobremesa. Decidi que, neste exato fim de semana, vou fazer os bolinhos mornos de banana do Carlota darem certo. E o doce de banana há de escorregar lá de dentro do bolinho como acontece com um impecável petit gateau. Na verdade, talvez eu peça pra ele fazer o prato principal. Não quero me estressar.
Quero um domingo de paz e de afazeres que hão de me tranquilizar. Vou juntar todos os livros de comida que não cabem nas prateleiras num canto, de maneira organizada até a bancada da sala ficar pronta. Depois, vou juntar a pasta de documentos para arquivar um por um, como costumo fazer a cada mês que passa.
Devo tirar as roupas daquela parte central do armário para dobrar melhor e deixar com uma cara mais organizada. Vou comprar coca-cola pra tomar enquanto isso. Se tiver sol, talvez eu tome uma das cervejas especiais que costumamos deixar na geladeira.
No final do dia, acho que vou ver um filme bem leve. Já pensou de fosse Julie & Julia? Contando os dias...
quarta-feira, outubro 14
:: Inventando discos
Anita O'Day cantou "Georgia On My Mind", que talvez seja uma das nossas músicas. E foi lindo. Então propus um disco só com as versões de Georgia. Pode ter Django, Maceo Parker, a própria Anita, o incrível Ray Charles, minha musa Billie Holiday, Booker T. & the MG's e assim vai. E então ele propôs o mesmo, com "Canto de Ossanha". Já juntou 12 versões, ele disse.
Anita O'Day cantou "Georgia On My Mind", que talvez seja uma das nossas músicas. E foi lindo. Então propus um disco só com as versões de Georgia. Pode ter Django, Maceo Parker, a própria Anita, o incrível Ray Charles, minha musa Billie Holiday, Booker T. & the MG's e assim vai. E então ele propôs o mesmo, com "Canto de Ossanha". Já juntou 12 versões, ele disse.
:: Das manhãs que a gente escolhe
Eu não escolhi levantar cedo, mas, agora, passada a irritação, sinto que foi bom o telefone ter me acordado antes do despertador. Ontem forcei as pálpebras o quanto pude para ler. Acabei, enfim, o "Lady Sings the Blues", da Billie Holiday. Tenho essa mania de enrolar nas últimas páginas de livros que gosto muito, já disse isso uma ou duas vezes nas minhas anotações. Acabou mais triste do que eu imaginava, verdade. Mas é uma tristeza misturada com alegria. Cantar assim, de sentir, não é coisa à-toa. Ela diz muito isso, que canta o que sente. Por isso que sai daquele jeito. No posfácio, Ruy Castro diz que ela morreu de enfarte, heroína e emoções em excesso e quase me fez chorar, de tanto que mistura essa coisa do trágico-lindo. Existe isso?
Hoje, pela manhã, nesta manhã que até tem raios de sol tentando entrar na minicasa que tanto gosto, acordei antes do que eu queria. Mas então, passada a irritação, teve ovinhos caipiras mexidos com pão de linhaça feito na chapa com manteiga aviação. Devo pular o almoço. Nesta manhã, teve o jornal e os discos. Acordei com vontade de ouvir Lady e, enfim, passei os discos dela que trouxe de Londres para o computador e, depois, para o iPod. Se tudo der certo, devo ouvir uma canção ou outra no meio da tarde, na hora da pausa para o chá, se houver. Fiz o mesmo com os quatro discos que trouxe da Anita O'Day, que são lindos, de matar os corações. Enquanto isso, ele está fazendo o mesmo com uma colação do Dave Brubeck, a "Time Was", que trouxe da mesma cidade onde pretendo morar.
E então, depois de todo o ritual, que adoro inventar, está na hora de um banho lento para ir, em seguida, para o jornal e ter um bom dia de trabalho. Estou pronta.
Eu não escolhi levantar cedo, mas, agora, passada a irritação, sinto que foi bom o telefone ter me acordado antes do despertador. Ontem forcei as pálpebras o quanto pude para ler. Acabei, enfim, o "Lady Sings the Blues", da Billie Holiday. Tenho essa mania de enrolar nas últimas páginas de livros que gosto muito, já disse isso uma ou duas vezes nas minhas anotações. Acabou mais triste do que eu imaginava, verdade. Mas é uma tristeza misturada com alegria. Cantar assim, de sentir, não é coisa à-toa. Ela diz muito isso, que canta o que sente. Por isso que sai daquele jeito. No posfácio, Ruy Castro diz que ela morreu de enfarte, heroína e emoções em excesso e quase me fez chorar, de tanto que mistura essa coisa do trágico-lindo. Existe isso?
Hoje, pela manhã, nesta manhã que até tem raios de sol tentando entrar na minicasa que tanto gosto, acordei antes do que eu queria. Mas então, passada a irritação, teve ovinhos caipiras mexidos com pão de linhaça feito na chapa com manteiga aviação. Devo pular o almoço. Nesta manhã, teve o jornal e os discos. Acordei com vontade de ouvir Lady e, enfim, passei os discos dela que trouxe de Londres para o computador e, depois, para o iPod. Se tudo der certo, devo ouvir uma canção ou outra no meio da tarde, na hora da pausa para o chá, se houver. Fiz o mesmo com os quatro discos que trouxe da Anita O'Day, que são lindos, de matar os corações. Enquanto isso, ele está fazendo o mesmo com uma colação do Dave Brubeck, a "Time Was", que trouxe da mesma cidade onde pretendo morar.
E então, depois de todo o ritual, que adoro inventar, está na hora de um banho lento para ir, em seguida, para o jornal e ter um bom dia de trabalho. Estou pronta.
terça-feira, outubro 13
:: Presentinhos do coração
Alguns amigos queridos entenderam, de uns tempos pra cá, que coisinhas de cozinha, comidinhas e afins são bons presentes para a minha pessoa. Claro, nunca devem esquecer dos cremes, das roupas, dos brincos (rá rá). Mas, sabe, dia desses ela voltou da Alemanha com uma latinha linda, com frutinhas desenhadas. Frutinhas vermelhas. E então fiquei tentando descobrir o que diabos deviam ser essas wild preiselbeeren, como dizia a embalagem. Ainda não sei, mas ela deu um palpite e bem que podem ser o que chamamos aqui de mirtilo e nos EUA de blueberry. Será?
O que importa, neste momento, é que minha cabeça disparou, em pleno fechamento, e comecei a ter ideias do que é que posso fazer de gostoso com elas. Primeiro, eu sei, tem de ser um almoço especial. Prefiro cozinhar à luz do dia, na minha minicozinha. Talvez seja porque gosto de ver as diferentes cores de colheres e potinhos que uso no meu mis en place.
Ela disse que a fruta in natura é um pouco ácida. Azedinha, disse mordendo os lábios. Sugeriu uma sobremesa e eu logo pensei em algo que pudesse ir bem com um dos licores que adoro servir depois das refeições nas tacinhas de cristal que papai me deu. Junto ou depois do café Fazenda Pessegueiro que gosto de preparar na minha italianinha.
Acho que vou fazer um creme de mascarpone que a Nina me ensinou outro dia. Complexo: bate o mascarpone com um pouquinho de açúcar e mistura raspinhas de limão-sicliano (que vou colher no pé que tem no jardim da casa do papai). Depois eu conto.
Alguns amigos queridos entenderam, de uns tempos pra cá, que coisinhas de cozinha, comidinhas e afins são bons presentes para a minha pessoa. Claro, nunca devem esquecer dos cremes, das roupas, dos brincos (rá rá). Mas, sabe, dia desses ela voltou da Alemanha com uma latinha linda, com frutinhas desenhadas. Frutinhas vermelhas. E então fiquei tentando descobrir o que diabos deviam ser essas wild preiselbeeren, como dizia a embalagem. Ainda não sei, mas ela deu um palpite e bem que podem ser o que chamamos aqui de mirtilo e nos EUA de blueberry. Será?
O que importa, neste momento, é que minha cabeça disparou, em pleno fechamento, e comecei a ter ideias do que é que posso fazer de gostoso com elas. Primeiro, eu sei, tem de ser um almoço especial. Prefiro cozinhar à luz do dia, na minha minicozinha. Talvez seja porque gosto de ver as diferentes cores de colheres e potinhos que uso no meu mis en place.
Ela disse que a fruta in natura é um pouco ácida. Azedinha, disse mordendo os lábios. Sugeriu uma sobremesa e eu logo pensei em algo que pudesse ir bem com um dos licores que adoro servir depois das refeições nas tacinhas de cristal que papai me deu. Junto ou depois do café Fazenda Pessegueiro que gosto de preparar na minha italianinha.
Acho que vou fazer um creme de mascarpone que a Nina me ensinou outro dia. Complexo: bate o mascarpone com um pouquinho de açúcar e mistura raspinhas de limão-sicliano (que vou colher no pé que tem no jardim da casa do papai). Depois eu conto.
segunda-feira, outubro 12
:: O sítio e as histórias dos pensamentos
Ele cantarolou “O Abacaxi de Irara” pelo caminho - e foi quase melhor que Tom Zé, verdade. O céu estava azul claro, bem clarinho, sem nuvem alguma, naquela manhã de primavera no sítio. Papai nos levou para passear pelo novo pomar. Chamamos de “novo pomar” a área de árvores frutíferas mais próxima do casarão. Pro lado de lá, estão as árvores mais antigas, as laranjas, as mexiricas, os limões, as mangas. São vários tipos (espécies? variedades?) de cada um deles. Pro lado de cá, estão as árvores que ela plantou pessoalmente. O cambuci, que trouxe da casa da praia, as lichias, os tamarindos, as graviolas, as groselhas. Eu gosto especialmente das árvores de maçã. Acho que é pela delicadeza. São pequeninas, quase frágeis, e têm frutinhos entre o amarelo e o vermelho, que raramente conseguimos comer maduros. Os passarinhos aparecem antes. Quase sempre.
Antes das frutas, papai me levou para o meio do pasto. Me certifiquei de que as vacas e os bois estavam distantes. De um tempo pra cá, dei pra ter certo receio e vacas e bois. Aqui no sítio, tinha uma vaca branca, gorda, que dava filhos e leite sem parar, e corria atrás das pessoas que inventassem de atravessar o pasto. Um dia, me escolheu e, desde então, prefiro ficar longe. Os cavalos não. Os cavalos ainda estão entre meus animais prediletos e andar por aí num desses é coisa terapêutica sem igual.
Enfim, fomos até uma das laterais do pasto. Só eu e papai. Lá, ele me mostrou o Jequitibá, com tronco já forte e folhinhas em vários tons de verde. Foi o vovô que me deu essa muda, lembra? Quando ele diz vovô, está falando do pai da minha mãe. O pai dele a gente nunca chamou de vovô porque morreu quando meu pai tinha 13 anos e eu nem conheci. Não deu tempo de virar vô. Mas, papai sabe, escolhi o jornalismo muito por conta dele. O pai do papai faz parte da história do rádio e da televisão. Começou nos primórdios da TV Tupi, lááá atrás. E eu soube de tudo, desde pequena. Minha vozinha, que devo visitar daqui três ou quatro horas numa cidadezinha vizinha, onde ela escolheu morar depois de São Paulo, tem uma pasta enorme e plastificada, com todos os recortes de jornal de artigos e matérias e afins que falavam do meu vô. Sempre acompanhei tudo. Ela alternava entre os três filhos, o piano clássico e as novelas do rádio - e eu adoro as histórias. O meu avô pai do meu pai morreu no auge do casamento com a minha vozinha. Eu digo, até hoje, que foi a história mais linda de amor sobre a qual já ouvi falar. E, sabe, às vezes sinto mesmo que tem a ver com a morte precoce. É tão, tão triste que chega a ter uma beleza difícil de explicar.
Mas, enfim, estávamos falando do vovô, pai da minha mãe. Papai mostrou os troncos da árvore e me contou a história. Lembra quando o vovô foi lá em casa e levou aquelas camisetas, que ele mesmo mandou fazer, com a foto de um enorme Jequitibá, dizendo “Salvem os Jequitibás”? Ele levou junto algumas sementes, num saquinho, e eu plantei aqui. Isso deve fazer uns dez anos, contou. Disfarcei, mas tive vontade de chorar, no fundo. Meu vô me faz uma falta estranha ainda hoje. Desde que morreu, daquela forma que a família escolheu pra ele, em sua casa, repousando na cama, com calma, família reunida, eu sinto falta dele. Sinto falta das nossas conversas sobre viagens e literatura. Das conversas sobre música e artes plásticas. Ele viveu a tempo de saber, pelo menos, que quem me ensinou essa paixão pelos livros, pelos discos e pelas artes foi ele.
No subsolo de sua casa, tinha uma porta de vidro enorme, que corria de um lado pro outro, com vista pra um lindo jardim, que ele cuidava pessoalmente. A gente tinha costume de ficar por ali, quando eu ia visitá-lo. Ali que ficavam seus livros e arte, a obra completa de Fernando Pessoa, que eu espalhava no tapete e lia, desde pequena, e achava lindo. Ali estavam os vinis, os cds, as fitas K-7. Ele catalogava um por um. Sempre que comprava um disco, ou gravava uma fita (e ele gravava várias, regularmente), ele escrevia num selinho branco pequeno quantos minutos tinha cada faixa e colova na caixinha. Depois, naquelas cartelas da catálogo, registrava todos os dados e guardava numa espécie de arquivo. Depois morreu.
Durante os meses de sua doença, quando já não falava mais, íamos muito visitá-lo e jantávamos em família, numa mesa enorme, com todos os lugares ocupados, como se ele e a vovó, que já tinha nos deixado uns anos antes, estivessem ali. Ouvíamos música e contávamos sobre o dia, sobre o trabalho. Vovô me estimulou desde o início com o jornalismo. Eu escrevia uma notinha de sete ou dez linhas, ele impria e guardava - e mostrava para os tios e primos quando apareciam por lá. Um dia, me deu um mapa mundial enorme e disse pra eu pendurar no quarto. Filha (me chamava assim, de “filha”), você é jornalista e precisa saber o mapa inteiro. E foi assim que comecei a aprender direito essa coisa da localização dos países e das pequenas cidades.
Mas então, quando vovô já estava muito doente, eu descia no escritório dele, e ficava abrindo e fechando as gavetas de discos e fitas e folheava todos os livros que podia. Vez ou outra, caía uma lágrima e eu tentava disfarçar. Nem sempre conseguia - porque, quando caíam três lágrimas, eu não controlava mais. E então costumava subir e sentar no colo da mamãe. Até chorava alto e ficava sem ar, de tanto que doía ver vovô doente. Hoje, no passeio pelo pasto para ver de perto o Jequitibá do vovô, senti um aperto que não sei bem explicar, mas é como se ele estivesse por perto. E ele deve mesmo estar.
Ele cantarolou “O Abacaxi de Irara” pelo caminho - e foi quase melhor que Tom Zé, verdade. O céu estava azul claro, bem clarinho, sem nuvem alguma, naquela manhã de primavera no sítio. Papai nos levou para passear pelo novo pomar. Chamamos de “novo pomar” a área de árvores frutíferas mais próxima do casarão. Pro lado de lá, estão as árvores mais antigas, as laranjas, as mexiricas, os limões, as mangas. São vários tipos (espécies? variedades?) de cada um deles. Pro lado de cá, estão as árvores que ela plantou pessoalmente. O cambuci, que trouxe da casa da praia, as lichias, os tamarindos, as graviolas, as groselhas. Eu gosto especialmente das árvores de maçã. Acho que é pela delicadeza. São pequeninas, quase frágeis, e têm frutinhos entre o amarelo e o vermelho, que raramente conseguimos comer maduros. Os passarinhos aparecem antes. Quase sempre.
Antes das frutas, papai me levou para o meio do pasto. Me certifiquei de que as vacas e os bois estavam distantes. De um tempo pra cá, dei pra ter certo receio e vacas e bois. Aqui no sítio, tinha uma vaca branca, gorda, que dava filhos e leite sem parar, e corria atrás das pessoas que inventassem de atravessar o pasto. Um dia, me escolheu e, desde então, prefiro ficar longe. Os cavalos não. Os cavalos ainda estão entre meus animais prediletos e andar por aí num desses é coisa terapêutica sem igual.
Enfim, fomos até uma das laterais do pasto. Só eu e papai. Lá, ele me mostrou o Jequitibá, com tronco já forte e folhinhas em vários tons de verde. Foi o vovô que me deu essa muda, lembra? Quando ele diz vovô, está falando do pai da minha mãe. O pai dele a gente nunca chamou de vovô porque morreu quando meu pai tinha 13 anos e eu nem conheci. Não deu tempo de virar vô. Mas, papai sabe, escolhi o jornalismo muito por conta dele. O pai do papai faz parte da história do rádio e da televisão. Começou nos primórdios da TV Tupi, lááá atrás. E eu soube de tudo, desde pequena. Minha vozinha, que devo visitar daqui três ou quatro horas numa cidadezinha vizinha, onde ela escolheu morar depois de São Paulo, tem uma pasta enorme e plastificada, com todos os recortes de jornal de artigos e matérias e afins que falavam do meu vô. Sempre acompanhei tudo. Ela alternava entre os três filhos, o piano clássico e as novelas do rádio - e eu adoro as histórias. O meu avô pai do meu pai morreu no auge do casamento com a minha vozinha. Eu digo, até hoje, que foi a história mais linda de amor sobre a qual já ouvi falar. E, sabe, às vezes sinto mesmo que tem a ver com a morte precoce. É tão, tão triste que chega a ter uma beleza difícil de explicar.
Mas, enfim, estávamos falando do vovô, pai da minha mãe. Papai mostrou os troncos da árvore e me contou a história. Lembra quando o vovô foi lá em casa e levou aquelas camisetas, que ele mesmo mandou fazer, com a foto de um enorme Jequitibá, dizendo “Salvem os Jequitibás”? Ele levou junto algumas sementes, num saquinho, e eu plantei aqui. Isso deve fazer uns dez anos, contou. Disfarcei, mas tive vontade de chorar, no fundo. Meu vô me faz uma falta estranha ainda hoje. Desde que morreu, daquela forma que a família escolheu pra ele, em sua casa, repousando na cama, com calma, família reunida, eu sinto falta dele. Sinto falta das nossas conversas sobre viagens e literatura. Das conversas sobre música e artes plásticas. Ele viveu a tempo de saber, pelo menos, que quem me ensinou essa paixão pelos livros, pelos discos e pelas artes foi ele.
No subsolo de sua casa, tinha uma porta de vidro enorme, que corria de um lado pro outro, com vista pra um lindo jardim, que ele cuidava pessoalmente. A gente tinha costume de ficar por ali, quando eu ia visitá-lo. Ali que ficavam seus livros e arte, a obra completa de Fernando Pessoa, que eu espalhava no tapete e lia, desde pequena, e achava lindo. Ali estavam os vinis, os cds, as fitas K-7. Ele catalogava um por um. Sempre que comprava um disco, ou gravava uma fita (e ele gravava várias, regularmente), ele escrevia num selinho branco pequeno quantos minutos tinha cada faixa e colova na caixinha. Depois, naquelas cartelas da catálogo, registrava todos os dados e guardava numa espécie de arquivo. Depois morreu.
Durante os meses de sua doença, quando já não falava mais, íamos muito visitá-lo e jantávamos em família, numa mesa enorme, com todos os lugares ocupados, como se ele e a vovó, que já tinha nos deixado uns anos antes, estivessem ali. Ouvíamos música e contávamos sobre o dia, sobre o trabalho. Vovô me estimulou desde o início com o jornalismo. Eu escrevia uma notinha de sete ou dez linhas, ele impria e guardava - e mostrava para os tios e primos quando apareciam por lá. Um dia, me deu um mapa mundial enorme e disse pra eu pendurar no quarto. Filha (me chamava assim, de “filha”), você é jornalista e precisa saber o mapa inteiro. E foi assim que comecei a aprender direito essa coisa da localização dos países e das pequenas cidades.
Mas então, quando vovô já estava muito doente, eu descia no escritório dele, e ficava abrindo e fechando as gavetas de discos e fitas e folheava todos os livros que podia. Vez ou outra, caía uma lágrima e eu tentava disfarçar. Nem sempre conseguia - porque, quando caíam três lágrimas, eu não controlava mais. E então costumava subir e sentar no colo da mamãe. Até chorava alto e ficava sem ar, de tanto que doía ver vovô doente. Hoje, no passeio pelo pasto para ver de perto o Jequitibá do vovô, senti um aperto que não sei bem explicar, mas é como se ele estivesse por perto. E ele deve mesmo estar.
:: Casa no Campo
Aqui tem ovo caipira mexido no café da manhã. Para beber, ela foi ao pomar colher limão-siciliano para fazer uma limonada suíça fresca, batida com cubinhos de gelo. Aqui a gente ouve Elis Regina e, às vezes, João Gilberto. Outra hora, ali na piscina, o garotinho de cinco anos fez ele ir até o jardim de flores para que colhesse flores para mim, margaridinhas lindas. Depois, disse que eu podia entrar na piscina sim porque aquela coisa de lodo e algas fazia bem para a pele, já pensou?
Aqui tem ovo caipira mexido no café da manhã. Para beber, ela foi ao pomar colher limão-siciliano para fazer uma limonada suíça fresca, batida com cubinhos de gelo. Aqui a gente ouve Elis Regina e, às vezes, João Gilberto. Outra hora, ali na piscina, o garotinho de cinco anos fez ele ir até o jardim de flores para que colhesse flores para mim, margaridinhas lindas. Depois, disse que eu podia entrar na piscina sim porque aquela coisa de lodo e algas fazia bem para a pele, já pensou?
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