sexta-feira, janeiro 1

:: Os balanços

Sempre gostei do ritual da Yemanjá. Aquela coisa de molhar os pés na água que ia e vinha e deixar o mar levar, lentamente, um barquinho com velas e flores e bilhetes de Ano-Novo. O que eu mais gostava em tudo isso eram os bilhetes. Essas espécies de balanço do ano que me ajudavam a fechar uma etapa e abrir outra.

Mas depois de um ano como 2009, nem sei o que esperar de 2010. Não sei o que esperar de mim, nem de ninguém. Outro dia, reli um texto que fiz para papai. Quando 2009 começou, ele disse, vai ser o seu ano, minha filha. E foi. Por isso 2010 me aflige um pouco.

Em 2009 minha biblioteca de livros de gastronomia cresceu um tanto que tive de fazer pilhas de livros no canto da sala. Li mais do que o habitual. Li mais sobre música, especialmente sobre jazz. Talvez eu tenha ouvido menos jazz instrumental e mais as mulheres do jazz. Em 2009 aprendi a amar ainda mais todas as canções de Billie Holiday. E ouvir uma, duas, três vezes seguidas um, dois, três discos dela. Foi um ano de alguns bons shows. Teve Cat Power pela segunda vez. Caetano pela milésima. Beirut, David Byrne, Whitest Boy Alive.

Cuidei melhor do meu pé de café, que floriu lindamente e até ficou cheio de grãos avermelhados. Ouvi mais Caetano. Tem sido assim cada ano que passa. Mais Caetano. Foi um dos meus anos mais musicais. Ele me apresentou um tanto de música que é difícil de contar. Gravamos discos e mais discos. Para ouvir junto. Para ouvir separado.

Em 2009 conheci Paris. Conheci Londres. Conheci Lima. Conheci Mendoza. Conheci Lisboa. Conheci um pouco menos de gente, mas foi o suficiente. Embora todo mundo duvide, porque trabalhei horrores, me dediquei mais aos meus amigos. Em 2009, fui à exposição do Calder no Pompidou num dia meio chuvoso e, quando voltei a São Paulo, fiz um de seus móbiles no ombro bem como eu gosto, uma, duas, três bolinhas.

Em 2009 emagreci um pouco e engordei um pouco. Mas o balanço foi bom. Beijei mais do que o habitual. Antes do namorado. Depois do namorado. 2009 foi um ano de uma grande paixão. A maior. De uma alegria no coração que quase não cabe no peito. Uma alegria de dançar Dave Brubeck coladinha, na cozinha, no meio do café da manhã, depois dele voltar com pães fresquinhos da rua. Foi um ano para ouvir e repetir os discos do Django. E aumentar e voltar e ouvir de novo. Foi assim com Devendra também. Devendra veio para marcar momentos. Momentos de não esquecer.

Foi um ano de mais exercícios, de mais suor, de mais suco de laranja e banana no lanche da tarde. E mais Coca-Cola. A Coca-Cola tem sido como Caetano. 2009 foi um ano de experimentar frutas em mercados municipais de outros lugares do mundo. Foi um ano de experimentar outras coisas mais também. A primeira vez do queijo Serra da Estrela. A primeira vez das ovas de ouriço. A primeira vez da gordura do porco preto esparramada no pão do Alentejo. Foi a primeira vez do ovo perfeito, que ela preparou com farofa de tempura e purê de cará e também a primeira vez de tentar repetir uma receita tão difícil e complexa. Mas deu certo.

Foi ainda a primeira vez que comi carne de arraia e que experimentei uns tipos de batata do Peru, no Peru. E também frutas que não me lembro o nome. E chicha morada, aquele refresco de milho-roxo com especiarias que todo mundo toma por lá. Foi a primeira vez das almofadinhas de tapioca o Mocotó. Aliás, foi um ano de provar – e amar – muitas cachaças. E agora no meu bar improvisado, no fundo de um armário, tem vinho do Porto, licores variados, um ou outro vinho tinto, espumante aos montes, uísque, tequila, pisco e as cachaças. Uma envelhecida em tonéis de ipê com um gostinho suave que faz repetir. Ui.

Em 2009 tomei a minha primeira Crug. E no Fasano. E foi minha primeira vez no Fasano também. Foi um ano de conhecer grandes restaurantes que eu ainda não conhecia. La Brasserie Erick Jacquin, Arturito, Antiquarius, Amadeus, Tordesilhas, Kinoshita. Foi a primeira vez que provei um chá branco especialíssimo, feito apenas com os brotos da Camélia sinensis, colhidos no início da primavera.

Foi um ano de apresentar clássicos pra ele. Frangó, Mocotó, Bar do Biu. Um ano de mais brindes para os pequenos momentos de alegria. Foi um ano de lavar menos louça e ir mais à quitanda. Foi um ano de unhas vermelhas e de mais havaianas e de mais vestidos. Um ano de dormir menos e abraçar mais. Um ano de mais conversa do que cinema. Mas, ainda assim, de muito cinema.

Foi um ano de muito trabalho. E de novidades também. Coluna nova, guia novo, as páginas da Ilustrada. Foi o ano que, enfim, achei uma zebra para decorar a minha sala. Foi ano de quebrar a minha Nikon papel, espatifada no chão do mercado de Lima. E também ano de ganhar Nikon nova, digital, e registrar muitos momentos. Foi o primeiro ano de dívidas. Mas ele diz, são dívidas boas.

2009 foi um ano de me descobrir mais, de ter mais medos e mais realizações. 2009 foi tão bom que me faz agora sentir certo receio de 2010. Mas 2009 passou. E me deixou as coisas que preciso para deixar vir 2010.

Um comentário:

Fabio Rigobelo disse...

né, beim?

2009 foi o ano em que me senti verdadeiramente teu amigo, e também foi o ano em que tive 'uns surtinhos' por aí... e quem não os tem? hihihihi
2009 foi o ano em que resolvemos (decidimos!) que 'ter chic' não é pra quem quer, e tb foi o ano em que trocamos boa música, em que viajamos pra mesma linda cidade (Londra), em que fizemos planos e concretizamos mudanças (não é?), enfim... foi o ano em que a fecarotta me incluiu em seu seleto (e estrelado) grupo de amigos. viva!
bjs e ótimo 2010 (pra nóis, né beim!)