domingo, fevereiro 1

:: Épocas

Outro dia ela escreveu sobre épocas e sobre saudades. E eu disse que ia imitar. Ela disse que era para ser inspiração e não para fazer igual. No fundo, era o que eu queria dizer mesmo. E então neste domingo de céu completamente aberto - que eu esperava há dias, acordei surpreendentemente cedo. Vou me preparar para a piscina. Fazer um pouco de exercício antes, na pequena academia ali embaixo. E antes, ainda, lavar roupas brancas - hoje é dia das roupas brancas e, depois, das delicadas, que devem ser lavadas individualmente.

Abri a porta da varanda inteira, para ver o máximo do dia. Coloquei o último disco que comprei do Bach e aumentei quando começou "Jesus Alegria dos Homens". E então isso me lembrou das épocas. De quando a minha avó se sentava ao piano e tocava Bach pra mim e dizia: minha pituquinha, essa é para você. E eu pedia para tocar de novo e de novo e de novo. Mais tarde, fiquei frustrada porque não fui aprender piano clássico, só popular. E eu sentava para mostrar a ela as novidades, as notas mais longas que eu aprendia em alguma canção, e dizia animada que eram as notas que eu ia poder usar quando tocasse, enfim, música clássica como ela.

Ela achava lindo. Lindo. Por isso que um dia me deu a miniatura que ela mais amava da coleção inteira - que juntou pela vida toda e espalhou pela casa. Eu guardo num armarinho de madeira do quarto, que outro dia, quando eu mudei, ela esvaziou inteiro na casa dela, empilhando as miniaturas em outros lugares, só para me dar.

A gente sentava na mesa da cozinha para tomar chá e conversava muito sobre a vida. Muito. E depois íamos de novo ao piano e ela tocava pra mim. Às vezes, eu tocava pra ela - e ela achava lindo. Sempre. Desde a época em que meu pé não alcançava o pedal. E eu ficava acabada porque via o quanto ela usava aquele pedal que prolongava os sons. Eu ficava arrepiada, desde pequena.

Antes de tudo, quando eu era menor, dormia na casa dela quando ela fazia nhoque. Ela sempre fez o melhor nhoque. Quando meu pai ia embora e eu começa a sentir certa saudade, ela costumava tirar todos (todos) os cacarecos das gavetas do banheiro para que eu pudesse brincar, sem fronteiras, de cabeleireira. E então, aquele cabelo todo arrumado que ela usava era desmontado e eu ia ficando mais e mais feliz. Depois do novo penteado, eu podia fazer maquiagem e passar perfume e depois olhava o meu trabalho e pensava, pronto, já pode ir para a festa.

Mas eu ficava quieta. Não queria que ela inventasse nenhuma festa naquela noite. Eu tinha medo de um ladrão subir pelo prédio. Eu morria de medo. Por isso quase sempre fazia ela montar um colchão colado no da minha irmã mais velha, que nunca tinha medo. Nem sempre funcionava e ela tinha de abrir a janela do quarto no meio da noite, me segurando pela mão, para me mostrar como ali era alto. Eram 12 andares e nenhum ladrão ia conseguir subir, ela repetia.

Bom tempo depois, eu e minha irmã falamos sobre o sonho da gente de te-la tocando no nosso casamento. E eu, imagina, nem vou casar. Mas eu inventei na minha cabeça a cerimônia, a trilha, e o momento exato que ela ia começar a tocar Bach. Eu ia chorar. E aí o coração aperta. Muito. Se ela não estiver lá, aquele conjunto de violinos vai tocar a música que ela sempre dedicou pra gente. E eu vou senti-la pertinho. E vou chorar de saudade. E lembrar das épocas com um pouco de dor e vazio.

5 comentários:

Fabio Rigobelo disse...

primeiro, por que vc diz que 'nem vai casar'?

segundo: onde mora tua vovó hoje?

bj

lufec disse...

1 - porque eu vou juntar
2 - perto do sítio, no interior

Fabio Rigobelo disse...

por que rejeita assim a ideia de casar com cerimônia? não precisa da igreja, mas acho bonita a festa pra celebrar a união. e, aí, ela pode sim tocar Bach.
;-)

lufec disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
marcella franco disse...

ai



arrepiei