sexta-feira, julho 17

:: O gosto dos outros

Desde que a gente começou a se falar, ele contou dos livros, fez poemas e contos lindos e mandou discos gravados especialmente pra mim. Não é a primeira e nem será a última vez que eu digo, sabe, ele é mesmo uma das pessoas mais sensíveis que eu já vi. E então, outro dia pela manhã, li um e-mail que me mandou e o dia ficou até estranho. Olha:

"(...)A mim me tinha cabido o prémio do Ministério. Eu tinha sido o
melhor professor rural. E o prémio era visitar a grande cidade.
Quando, em casa, anunciei a boa nova, a minha mais-velha não se
impressionou com meu orgulho: E franziu a voz:
- E lá, quem lhe faz o prato?
- Um cozinheiro.
- Como se chama esse cozinheiro?
Ri, sem palavra. Mas, para ela, não havia riso, nem motivo. Cozinhar é
o mais privado e arriscado acto. No alimento se coloca ternura ou
ódio. Na panela se verte tempero ou veneno. Quem assegura a pureza da
peneira e do pilão? Como podia eu deixar essa tarefa, tão íntima,
ficar em mão anônima? Nem pensar, nunca tal se viu, sujeitar-se a um
cozinhador de que nem o rosto se conhece.
- Cozinhar não é serviço, meu neto - disse ela. - Cozinhar é um modo
de amar os outros."

(Mia Couto em "Os Fios das Misangas")

Um comentário:

Marcio disse...

mia couto é ótimo! bjssss