quarta-feira, julho 15

:: Para repetir

Ir na casa dela é sempre, sempre bom. Mas não é só. É quase um presente. Mas não é só. Ela sabe, é minha segunda casa. E então depois de quebrar a cabeça porque não consigo sair cedo do jornal e ponto, resolvemos comer lá mesmo e pular o restaurante. E é como se o cansaço dela, que acorda sempre tão cedinho, quase passasse. Ela vai ao supermercado e faz comprinhas para dois menus diferentes - quer ter certeza do que eu quero e me liga vez ou outra para fazer perguntas, sem deixar eu descobrir qual prato exatamente ela pensa em preparar. Desta vez, comprou um vasinho de minimanjericão porque não achou fresco naquelas gôndolas refrigeradas, por onde eu gosto de passar rápido no inverno, e, já em casa, colocou num vasinho vermelho sobre a janela e ficou lindo de ver.

A gente ouviu Billie Holiday e Nina Simone, como de costume nos dias mais frios. Enquanto eu cortava a pimenta-malagueta em pedacinhos micros até desaparecer, ela dourava a cebola que eu tinha deixado prontinha em rodelas. Ela tem uma frigideira grande e bonita, que gosta de usar sempre. E, quando está mais animada, faz um jogo de cores para escolher as colheres da frigideira e daquela panela que está com água quase fervendo. Depois, escondeu, mas jogou um pouquinho de açúcar para caramelizar levemente a cebola - ela sempre diz, Lu, um pouquinho de açúcar nisso e naquilo. Lu, não esquece do açúcar para quebrar o ácido do tomate. Mas ela, quando coloca, não costuma contar, quase como se estivesse brincando de fazer segredo.

Cortei a linguiça-calabresa em rodelinhas para meninas, com toda a delicadeza. Enquanto isso, ela jogou sal na água e logo depois jogou o orecchiette, aquela massa que tem no Pasquale e eu adoro, que parece uma conchinha. E então resolvi trocar de faca e rimos depois que eu abri aquela primeira gaveta. Temos todas as facas iguais e achamos graça.

Mudamos de casa, cada uma para a sua, no mesmo ano e papai enchia a gente de presente para a cozinha - além dos aparadores de panela coloridos e da toalha de mesa que trouxe de viagem. Quando a gente era pequena, tinha essa coisa de ganhar presente igual. Mas papai e mamãe sempre insistiram em fazer a coisa diferente, até a gente aprender que cada uma tem uma personalidade e aquela história toda. Porque, verdade, as coisas às vezes se misturavam. Depois de velhas (god), voltamos a ganhar presentes iguais e eu adoro. Temos a mesma panela de macarrão, grande e toda pomposa, para receber visitas, temos o mesmo porta-colheres-e-afins da Le Creuset vermelho, que fica sobre a bancada ao lado do fogão. Mas a bancada dela é preta - e chiquérima - e a minha é branca.

Massa al dente e ela jogou o tomate pelado na frigideira e misturou tudo lentamente. E então sentamos, nos servimos de vinho, brindamos porque sempre temos que comemorar. A gente sabe. E o jantar foi como de costume: assuntos periféricos, revelações, análises, segredos. Cada vez é mais assim, uma coisa que não acaba e não para de crescer. E, diante disso, eu sei, a gente até fica brega.

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