domingo, novembro 14

:: Coisas que não passam

Acho que até ontem, ou anteontem, não me lembro bem, ela não devia saber exatamente a gravidade do problema. Também, cá comigo, acho que nunca quis colocar a gravidade pra fora de mim. Talvez, nem pra dentro. Mas a verdade é que ela é uma amiga que não passa. E não vai passar. A gente sabe.

Na minha ausência, que coisa, deixei de visitá-la no hospital, depois que o filhotinho caçaula nasceu. Deixei de ir ao aniversário da filhotinha mais velha, com quem convivi tanto em Paris. Deixei, até, de ir ao aniversário dela própria. E nem sequer liguei para dar os parabéns.

Mas outro dia finalmente nos vimos. Sentamos no sofá, falamos da casa nova, dos filhos (novos e antigos), do gato, das crises, de cosméticos e livros. Depois de um bom tempo, ela voltou a ler. Eu também. Ela lê enquanto amamenta madrugada adentro. Eu leio em todas as outras horas. Ela contou que leu cinco livros nos últimos três meses. Eu disse que, no último mês, li três e dois meios.

E então contei das anotações de Leonardo da Vinci em seus "Cadernos de Cozinha". E prometi um texto. Um texto escrito só pra ela. Um texto contando as partes mais engraçadas do livro, que ela acha que é piada, mas não é. Depois, qualquer dia em que eu estiver mais inspirada, vale outros escritos sobre as passagens mais interessantes, como a fazenda em que ele morava quando pequeno, o costume de misturar água e vinho para purificar a água contaminada e por aí vai.

Mas agora, eu disse, vou reservar para ela as passagens que me fizeram rir. Como aquela cena do pepino. A fulana de tal acabou morta na fogueira por "mau uso do pepino". Tem também aquela dica de limpar as teias de aranha que se formam nos repolhos porque podem causar vômitos e "até uma paralisia completa".

Ele ensina ainda a matar um pavão (como uma cabra!) e depois, para amaciá-lo é preciso pendurá-lo com a cabeça para baixo em uma fi-guei-ra. Precisa ser uma figueira, atenção. A parte mais chocante, que me fez rolar de rir, no entanto, foi o capítulo dedicado aos "procedimentos indecorosos à mesa", como uma espécie de "manual de boas maneiras".

Presta atenção:

- Não porá pedaços mastigados de sua própria comida no prato de seu vizinho sem primeiro perguntar a ele.

- Não limpará a faca na roupa de seu vizinho.

- Não cortará a mesa com a faca.

- Não baterá nos serviçais (só pode fazê-lo em caso de sua própria defesa).

Ele ainda ensina como dispor um assassino à mesa, fala sobre sua invenção dos guardanapos, para substituir os coelhos que eram colocados ao pé de cada cadeira para que os convidados limpassem a gordura das mãos durante a refeição, lembra de alguns males que a comida pode causar, como comer muita ervilha, que pode levar o sujeito à loucura.

Um comentário:

Mari disse...

:)
eu queria ver com quantos coelhos se limparia vomitinhos de recém-nascido, isso sim...
beijo, amore!