sexta-feira, março 27

:: Das minhas histórias com o jazz

Às vezes acontece de arriscar a dizer que quase gosto mais de jazz do que de MPB. Em Paris está sendo mais ou menos assim. Minha primeira foto com a Nikon-nova-em-folha foi da fachada de uma loja de vinis de jazz, onde passo quase todos os dias e paro, invariavelmente, para dar uma espiada. É como se o jazz construísse as histórias. Hoje parei um pouco sozinha no Jardin de Luxembourg, um dos lugares mais encantadores daqui. Abri o caderno, anotei as ideias enquanto ouvia Wayne Shorter (e também ouvi Thom York, "Rabbit in Your Headlights"). E então comecei a lembrar dos shows de jazz de NY, o Joshua ao vivo, pertinho de mim, pela primeira vez, os novos talentos do jazz no Dizzy's Club, com aquela fachada de vidro em plena Columbus Circle, de frente para o Central Park, Pat Matheny, os jazzistas do Harlem, que fui ver num bar lá em cima, com acesso por uma portinha suspeita, com luzes piscando lá dentro e só a comunidade.

Tudo isso para me preparar pra noite de hoje, que acabou gloriosa. A noite do Divan du Monde. A noite de Herbie Hancock. Ali naquele bairro descoladinho à noite, que concentra um monte de gente na rua de paralelepipedo, com casinhas de jazz e bistrôs dos mais charmosos. Assim.

E então entrei por uma porta pesada e lá dentro estava o pequeno palco, a cortina de veludo vermelho, o clima de antigamente, o piso de madeira, as poucas mesas, os homens barbados, as meninas lindamente descabeladas. O bar. A cerveja. Meia-luz. E assim foi que shows do passado começaram a ser projetados em um telão. Aparece o próprio HH. Aparece Ron Carter. Aparecem outros vários e ela ali, contando as últimas histórias de amor e eu fazendo pequenas pausas para anotações rápidas.

O trio entrou no palco: um foi para o piano de cauda. Outro na bateria. Outro com o contrabaixo acústico. Ai. Todas as sextas eles tocam ali, os caras grisalhos que devem tocar há anos. Anos. E eu estava ali. Bem ali. Boa noite e tal e o pianista começa dizendo que todos os estudantes de jazz deviam saber tocar " Dolphin Dance", que não importa o quanto eles vão sofrer para aprender, precisam saber e ponto. E começou. E aí já não tinha mais volta: estava mesmo começando a minha melhor noite em Paris.

E depois teve "Textures", com um contrabaixo incrível (mesmo). E então "Speak Like a Child", "Butterfly". Uma pausa para o trio, que saiu do palco um pouco, enquanto aquela moçada toda ficava ali sentada no chão, ouvindo atenta, sabe. E começa a tocar Black Rio no intervalo. Céus. Black Rio. Me deu um arrepio difícil de explicar. Na volta: uma. Duas. Três e então eles começaram a tocar uma versão de "Cantaloup", que "não é a que a gente conhece", disse o pianista. E não era mesmo. Mas foi a versão mais incrível que já ouvi de "Cantaloup". Mesmo. Palmas e tal e acabou. Mas eles voltaram. E voltaram com a original de "Cantaloup" e aí não teve mais pra ninguém. Ninguém. Foi vibrante. Dancei ali pertinho, como se não houvesse amanhã.

De lá, fomos direto prum bistrozinho dos mais charmosos que já fui na vida. Não pensei que fosse ser assim aqui. Eis que eu estava mesmo num restaurante minúsculo, vintage, velinhas, toalhas floridas, carta de vinhos escrita à mão, repara. Eu anotei o nome e vou colar o cartão no Moleskine vermelho porque vai integrar as dicas alternativas prediletas: L'Homme Tranquille, chama. Mas nada: o dono é hiperativo e atende as mesas. Diz que é mesmo um restaurante de família, com a mãe a a avó na cozinha. Posso? Comemos saladinha com queijo Saint Marcelin quente e torrada. E estava tocando Beirut e eu nem acreditei. E agora não quero mais nada. Nem dormir.

2 comentários:

MEL disse...

Chorei... Chorei de muita vontade de ser e estar ali com você...

lufec disse...

ai, não é? foi uma noite incrível. depois mando fotinhos pra vc entender até melhor. porque não dá mesmo pra descrever! beijoca