domingo, março 29

:: Dos romances literários (e musicais)

Eu tinha esperado acordar com raios de sol pela sala. Ele mandou "Georgia" para adoçar o dia. E tenho mesmo certa aflição dessas coisas das coincidências. Django Reinhardt e o Quintette du Hot Club de France apareceram exaustivamente na exposição de Jazz que eu escolhi pra ir ontem. Ontem foi assim. Escolhi o dia do sol, apesar de ter quase doído esperar para ouvir o que ele tinha aprontado. Escolhi o dia do sol para ir ao Le Comptoir, o bistrô que o Josi recomendou com seus cérebros de animais de todas as espécies, as bochechas de boi, as tripas, os pés. E eu fui no leitãozinho com lentilha, cozido depois assado, que desmanchou na boca, no meio daquele ambiente cheio de charme com um clima francês, no que os franceses têm de melhor.




E depois era hora de caminhar até a torre. Antes, a exposição de Jazz. Primeiro porque estava mesmo na agenda. Segundo porque ia criar todo um clima até potencializar ao máximo as sensações daquele momento da playlist no Champ de Mars. Exatamente como ele tinha dito. E eu assimilei. Desde sempre. Tudo, apesar da curiosidade. E eu tinha mesmo razão. A trilha agora é a trilha de Paris. Não era pra ser diferente.

Na exposição fiz anotações. Eu sempre faço anotações. Escrevi alguns nomes de pessoas com cara de quem canta e toca bem para pesquisar depois. Tem essa coisa da energia, bem no fundo. Anotei "Hot Jazz", "Harlem Renaissance" porque quero entender melhor os movimentos. Ou, de repente, ele pode me explicar baixinho, do jeito que, ele sabe, eu ficaria horas ouvindo. Mais: rabisquei, em francês mesmo, uma passagem de um livro que dizia algo sobre a improvisação. Depois vamos traduzir pra ver se tem alguma ligação com essa coisa que ele leu na biografia do Charles Mingus, que ele lê e conta. Lê e conta. E eu adoro.





Na saída do museu, frio cortante que até fez doer. E eu, animada com aqueles raios de sol matinais, invadindo a sala através das cinco janelas que vão do teto ao chão, saí sem meia-calça, sem guarda-chuva, sem chapéu. Fiquei impressionada com a torre. Uma coisa de arrepiar que não consigo colocar em palavras. Foi algo que me fez esquecer aquele monte de turista amontoado, que não suporto (prontofalei). Não pensei que fosse ser assim. Não sei entender por que diabos eu sempre relacionei a torre com a estatua da liberdade, que eu me recusei chegar perto. Mas não. Foi tudo diferente. E tinha uma coisa especial no ar, uma coisa própria daquele momento.





Tirei umas fotos, sem exagero. Observei um pouco e caminhei lentamente para os bancos do Champ de Mars, bem como ele insistiu. E estava quase na hora do sorriso bobo que ele imaginou e me deu até certo nervoso. E o frio cortante, a dor de cabeça. E...play. Play? Eu diria. E começou a chover, de leve. E depois dos 13 minutos, muito. Eu digo. Sempre chove. Sempre. E eu nem tento mais entender.

Eu corri pra uma barraca de cachorro-quente ali do lado, perto das alamedas de árvore sem tirar o iPod do corpo. Porque era mesmo como se tudo aquilo invadisse meu corpo inteiro. Impressionada com as palmas e o piano. Palmas. Piano. Depois com o assobio que tenho certeza que ele deve tentar imitar, juntinho. E a tarde de sol que eu tinha escolhido ficou assim, chuva de gelo - e até pareceu neve. Então tentei ver certo romantismo naquilo também. Porque aquele gramado coberto por pedacinhos de gelo tinha mesmo o seu charme.

Por segundos me senti rompendo o combinado, mas não pausei. Não pausei mais. Tomei muita chuva, dor de cabeça, dor nos pés de tanto frio. All Star novo com cara de velho. Ensopado. Luvas laranjas grudadas nos dedos. E o cabelo no rosto molhado. O cabelo molhado. O rosto molhado. Caminhei até o ponto de ônibus. E a playlist tocando. E tinha todo um lance de perplexidade naquilo. Porque eu realmente estava impressionada com aquelas músicas, com a sequência, com a harmonia daquilo tudo. Daquilo por si só e mais: era como se houvesse mesmo uma playlist feita especialmente para ouvir ali. Era como se fosse mesmo verdade.

Mas choveu. Choveu muito. E eu nem sei mais.

3 comentários:

Unknown disse...

"como se fosse verdade" não. Foi verdade, e muito.

de vries disse...

Lou-Lou,

Mandei e-mail. E só mudo a grafia quando vc voltar pro Brésil. Em Londres vai ser Loo-Loo. C'est chouette!

Tati Guimarães disse...

Nem sei como achei o seu blog, mas apaxonei com o seu jeito de escrever, que me lembra muito a Clarice. Ainda não fui à Paris, mas tenho certeza de que quando eu for, todos estes detalhes de música, clima, sensações únicas e comidinhas estarão presentes. Sou sensível demais pra deixar passar.
Esse trecho: ''Impressionada com as palmas e o piano. Palmas. Piano. Depois com o assobio (...)'' Me lembrou uma música do Yann Tiersen que chama Soir de fete, conhece? O início é exatamente assim, tem as palmas, o assobio e entra o piano. Que piano. Parabéns por escrever tão bem! Adorei!