:: Seres sensíveis
Heloísa Bacellar tem um texto de que amo, amo. Ela é capaz de mostrar, pelas palavras, como é sensível e apaixonada pela cozinha e seus ingredientes e seus apetrechos e seus cacarecos adoráveis. Tem um trecho de “Chocolate Todo Dia", que anotei lá atrás, quando li pela primeira vez.
“Tudo começou num dia em que eu estava muito triste, sentindo que precisava adoçar a vida de algum jeito. Fui até a cozinha, abri a gaveta de guloseimas e quebrei um tablete de chocolate. Fechei os olhos, coloquei um pedacinho na boca e senti o chocolate se desmanchar, se transformar em algo quente, cremoso, aveludado, delicioso, doce e amargo ao mesmo tempo e terminar deixando uma sensação de conforto, carinho e me dando um pouco de coragem e energia.”
terça-feira, dezembro 27
domingo, dezembro 25
sábado, dezembro 24
:: Comida da alma
Há pouco, fechei uma coluna da Nina, a-escritora-que-quero-ser-quando-eu-crescer-e-ler-montes-e-ficar-entendida-dos-assuntos-e-do-inglês-e-do-francês-e-das-emoções-todas, que acabava com uma frase que me pareceu muito, muito minha. "Comida faz a alma cantar", diz. Aprendi isso desde criança.
Vovó fazia os barquinhos de pão francês com manteiga para nadar sobre o café com leite que só ela sabia preparar. A bizinha, que eu escrevo com "z", velhinha de tudo, cabelo branco, ralo, meio corcundinha e com os esmaltes laranja ou rosa, sempre fosforescentes, nas unhas enormes, tinha 13 bisnetos. Mas havia uma preferência descarada por mim e pela Li. E então ela guardava na gaveta do quarto, na especialíssima cômoda das calcinhas, bananas e barras de chocolate, daquelas cobertas com papel-alumínio, que escondia ali um animal em relevo, que brincávamos, à exaustão, de descobrir qual era. Tudo isso para que ficassem garantidos nossos chocolates e nossas bananas sempre, sem risco de falhas.
E tem minha outra avó também, mãe do meu pai, que brincava muito de cabeleireiro comigo --e eu abusava da boa vontade dela e fazia barbaridades com aquele cabelo-- e preparava, com as próprias mãos, aquelas mesmas mãos que tocam Bach ao piano até hoje, um nhoque de batata com muita batata, que merecia o respeito de uma criança cheia de frescuras, lá naqueles tempos. Desde aqueles tempo, digo.
Mamãe não ia muito para a cozinha. Não por desgosto, mas por falta de tempo. Já naquele começo dos anos 80, tinha de cuidar de duas filhas --o que fez à perfeição-- e trabalhar, trabalhar. Mas ela deixava eu fazer porquices na mesa, molhar o quibe no creme de abacate e coisas assim. Quando eu era pequena, tinha disso: eu via macacos motorizados em carrinhos vermelhos e mergulhava o quibe no creme de abacate.
Tinha a coisa do meu pai também. Meus pais se separaram quando eu tinha três anos, a Li, quatro. Ficávamos ao menos duas vezes por semana com ele --e ele foi morar numa quitinete na praça Roosevelt, em que fazíamos festa de dormir no sleeping e alimentar aquelas pombas (de que hoje tenho pavor, pavor!) que se aboletavam ali no vaso daquela varandinha minúscula --e tão feliz.
Então voltávamos da escola no fusca amarelo, parávamos ali entre os puteiros e íamos caminhando, encantadas com os luminosos daqui e dali, até o prédio. E na hora do banho, papai nos levava cenoura e tomatinho com sal. E era um desfrute memorável. Até hoje tenho essa coisa das cenourinhas cortadas em palitos e dos tomatinhos-cereja, de um bom vermelho. Até hoje tem essa coisa do vermelho dos tomates frescos que me prendem a atenção. De ficar ali, olhando, olhando.
Pois bem, tinha a coisa do papai. Ele precisa nos entreter e cozinhar ao mesmo tempo. Me contou isso, em detalhes, faz pouco. Esse quebra-cabeça que era ter de usar o nosso tempo juntos, precioso de tudo, para cozinhar e, ao mesmo tempo, estar com a gente. Entregue, até a alma. E então ele inventava receitas e íamos interagindo, interagindo.
Até que inventou a coisa de colocar máscara de mergulho para cortar as cebolas --até parece, ele nem chora com as cebolas como eu, que sempre vou picar cebola quando estou engasgada. E ríamos, ríamos. E depois sentávamos ali nas banquetas que rodeavam aquela bancada de fórmica branca, de pés balançando no ar, e jantávamos juntos, a conversar.
Eu estava aprendendo algo óbvio: o que são as comidinhas da alma. Até hoje repetimos isso, em família --e "comida da alma" é um jeito muito verdadeiro e puro de descrever alguns pratos. E nos entendemos muito bem quando aparecem esses sabores feitos para a alma.
A Bé que ensinou montes disso, também. Porque ela sempre teve essa sensibilidade de cuidar do outro, de aconchegar, de acarinhar. E, no fogão, transforma tudo nos mais deliciosos sabores. Os sabores da alma. Me ensinou também que existe mesa posta para acalmar a alma, por exemplo. Me ensinou a preparar minivasos de flor e pensar na toalha e pensar na louça e pensar em como deixar o outro feliz só com a disposição das coisas sobre a mesa.
Mais tarde, Lili começou a cozinhar maravilhosamente bem. Ela e o Caco, um casal cozinhante, de que amo. E eles já cuidaram das minhas tristezas e das minhas dores de amores com as receitas mais acolhedoras imagináveis. Um macarrãozinho com queijo feito no forno, um ovo mexido com tomate e cebola, um doce de banana qualquer. Qualquer.
E hoje a Nina me ensinou que eu posso traduzir tudo isso nessa frase, que me pareceu tão minha. "A comida faz a alma cantar."
Há pouco, fechei uma coluna da Nina, a-escritora-que-quero-ser-quando-eu-crescer-e-ler-montes-e-ficar-entendida-dos-assuntos-e-do-inglês-e-do-francês-e-das-emoções-todas, que acabava com uma frase que me pareceu muito, muito minha. "Comida faz a alma cantar", diz. Aprendi isso desde criança.
Vovó fazia os barquinhos de pão francês com manteiga para nadar sobre o café com leite que só ela sabia preparar. A bizinha, que eu escrevo com "z", velhinha de tudo, cabelo branco, ralo, meio corcundinha e com os esmaltes laranja ou rosa, sempre fosforescentes, nas unhas enormes, tinha 13 bisnetos. Mas havia uma preferência descarada por mim e pela Li. E então ela guardava na gaveta do quarto, na especialíssima cômoda das calcinhas, bananas e barras de chocolate, daquelas cobertas com papel-alumínio, que escondia ali um animal em relevo, que brincávamos, à exaustão, de descobrir qual era. Tudo isso para que ficassem garantidos nossos chocolates e nossas bananas sempre, sem risco de falhas.
E tem minha outra avó também, mãe do meu pai, que brincava muito de cabeleireiro comigo --e eu abusava da boa vontade dela e fazia barbaridades com aquele cabelo-- e preparava, com as próprias mãos, aquelas mesmas mãos que tocam Bach ao piano até hoje, um nhoque de batata com muita batata, que merecia o respeito de uma criança cheia de frescuras, lá naqueles tempos. Desde aqueles tempo, digo.
Mamãe não ia muito para a cozinha. Não por desgosto, mas por falta de tempo. Já naquele começo dos anos 80, tinha de cuidar de duas filhas --o que fez à perfeição-- e trabalhar, trabalhar. Mas ela deixava eu fazer porquices na mesa, molhar o quibe no creme de abacate e coisas assim. Quando eu era pequena, tinha disso: eu via macacos motorizados em carrinhos vermelhos e mergulhava o quibe no creme de abacate.
Tinha a coisa do meu pai também. Meus pais se separaram quando eu tinha três anos, a Li, quatro. Ficávamos ao menos duas vezes por semana com ele --e ele foi morar numa quitinete na praça Roosevelt, em que fazíamos festa de dormir no sleeping e alimentar aquelas pombas (de que hoje tenho pavor, pavor!) que se aboletavam ali no vaso daquela varandinha minúscula --e tão feliz.
Então voltávamos da escola no fusca amarelo, parávamos ali entre os puteiros e íamos caminhando, encantadas com os luminosos daqui e dali, até o prédio. E na hora do banho, papai nos levava cenoura e tomatinho com sal. E era um desfrute memorável. Até hoje tenho essa coisa das cenourinhas cortadas em palitos e dos tomatinhos-cereja, de um bom vermelho. Até hoje tem essa coisa do vermelho dos tomates frescos que me prendem a atenção. De ficar ali, olhando, olhando.
Pois bem, tinha a coisa do papai. Ele precisa nos entreter e cozinhar ao mesmo tempo. Me contou isso, em detalhes, faz pouco. Esse quebra-cabeça que era ter de usar o nosso tempo juntos, precioso de tudo, para cozinhar e, ao mesmo tempo, estar com a gente. Entregue, até a alma. E então ele inventava receitas e íamos interagindo, interagindo.
Até que inventou a coisa de colocar máscara de mergulho para cortar as cebolas --até parece, ele nem chora com as cebolas como eu, que sempre vou picar cebola quando estou engasgada. E ríamos, ríamos. E depois sentávamos ali nas banquetas que rodeavam aquela bancada de fórmica branca, de pés balançando no ar, e jantávamos juntos, a conversar.
Eu estava aprendendo algo óbvio: o que são as comidinhas da alma. Até hoje repetimos isso, em família --e "comida da alma" é um jeito muito verdadeiro e puro de descrever alguns pratos. E nos entendemos muito bem quando aparecem esses sabores feitos para a alma.
A Bé que ensinou montes disso, também. Porque ela sempre teve essa sensibilidade de cuidar do outro, de aconchegar, de acarinhar. E, no fogão, transforma tudo nos mais deliciosos sabores. Os sabores da alma. Me ensinou também que existe mesa posta para acalmar a alma, por exemplo. Me ensinou a preparar minivasos de flor e pensar na toalha e pensar na louça e pensar em como deixar o outro feliz só com a disposição das coisas sobre a mesa.
Mais tarde, Lili começou a cozinhar maravilhosamente bem. Ela e o Caco, um casal cozinhante, de que amo. E eles já cuidaram das minhas tristezas e das minhas dores de amores com as receitas mais acolhedoras imagináveis. Um macarrãozinho com queijo feito no forno, um ovo mexido com tomate e cebola, um doce de banana qualquer. Qualquer.
E hoje a Nina me ensinou que eu posso traduzir tudo isso nessa frase, que me pareceu tão minha. "A comida faz a alma cantar."
:: Juras de amor e as pequenas alegrias
Ele: o que você adoraria ganhar, hipoteticamente, sem limites?
Eu: me conte de você.
Ele: eu gostaria de visitar a lua com você.
Eu: visitar a lua comigo? parece jura de amor.
Ele: por que não seria? jura de amor é trazer a lua de presente.
Eu: discordo, acho. ir até a lua comigo é mais, é como se a gente se bastasse.
Ele: o que você adoraria ganhar, hipoteticamente, sem limites?
Eu: me conte de você.
Ele: eu gostaria de visitar a lua com você.
Eu: visitar a lua comigo? parece jura de amor.
Ele: por que não seria? jura de amor é trazer a lua de presente.
Eu: discordo, acho. ir até a lua comigo é mais, é como se a gente se bastasse.
segunda-feira, dezembro 19
:: Etapas
Recebi hoje, por e-mail, de uma amiga nova. Alegria dupla: por estar copiada entre aquelas pessoas de que ela gosta e por ter o privilégio de ler algo tão lindo no meio desta tarde de sol.
A Carlos Drummond de Andrade (
João Cabral de Melo Neto)
Não há guarda-chuva
contra o poema
subindo de regiões onde tudo é surpresa
como uma flor mesmo num canteiro.
Não há guarda-chuva
contra o amor
que mastiga e cospe como qualquer boca,
que tritura como um desastre.
Não há guarda-chuva
contra o tédio:
o tédio das quatro paredes, das quatro
estações, dos quatro pontos cardeais.
Não há guarda-chuva
contra o mundo
cada dia devorado nos jornais
sob as espécies de papel e tinta.
Não há guarda-chuva
contra o tempo,
rio fluindo sob a casa, correnteza
carregando os dias, os cabelos.
Recebi hoje, por e-mail, de uma amiga nova. Alegria dupla: por estar copiada entre aquelas pessoas de que ela gosta e por ter o privilégio de ler algo tão lindo no meio desta tarde de sol.
A Carlos Drummond de Andrade (
João Cabral de Melo Neto)
Não há guarda-chuva
contra o poema
subindo de regiões onde tudo é surpresa
como uma flor mesmo num canteiro.
Não há guarda-chuva
contra o amor
que mastiga e cospe como qualquer boca,
que tritura como um desastre.
Não há guarda-chuva
contra o tédio:
o tédio das quatro paredes, das quatro
estações, dos quatro pontos cardeais.
Não há guarda-chuva
contra o mundo
cada dia devorado nos jornais
sob as espécies de papel e tinta.
Não há guarda-chuva
contra o tempo,
rio fluindo sob a casa, correnteza
carregando os dias, os cabelos.
quinta-feira, dezembro 1
:: Coisas para repetir
Tenho uma lista de coisas para repetir. Porque eu adoro listas. Porque há de guardar as coisas que devem ser repetidas. Tem uma que já virou religião: todo fim de ano gravo discos felizes para os momentos mais estressantes no trânsito louco do fim de ano não serem traumáticos. E funciona. Porque a música tem esse poder de me colocar numa bolha e mostrar que, calma, tá tudo bem. Neste ano, o disco está engraçado. Tem latinos, tem fados, tem Roberto Carlos, tem Renato Teixeira e Pena Branca & Xavantinho, tem o Caetano de sempre. Nada a ver com nada e uma alegria que une todas ali. Eita!
Tenho uma lista de coisas para repetir. Porque eu adoro listas. Porque há de guardar as coisas que devem ser repetidas. Tem uma que já virou religião: todo fim de ano gravo discos felizes para os momentos mais estressantes no trânsito louco do fim de ano não serem traumáticos. E funciona. Porque a música tem esse poder de me colocar numa bolha e mostrar que, calma, tá tudo bem. Neste ano, o disco está engraçado. Tem latinos, tem fados, tem Roberto Carlos, tem Renato Teixeira e Pena Branca & Xavantinho, tem o Caetano de sempre. Nada a ver com nada e uma alegria que une todas ali. Eita!
quarta-feira, novembro 30
:: Encontros
Faz um tempo já que acabei de ler "Noites Brancas", do Dostoiévski. E tenho aquele costumeiro vazio, ao acabar um livro de que gosto muito. Quanto mais leio esse russo, mais fico admirada. Esse foi um dos meus prediletos. E grifei, gridei, grifei. Algo que me soou um pouco com o antes e o depois do por-do-sol, do amanhecer, sabe-se lá os nomes exatos dessa dupla de filmes que me diz tanto sobre encontros. Essa coisa preciosa do encontro entre duas pessoas.
"Escute, por que parece sempre que até o melhor dos homens esconde algo do outro e se cala diante dele? Por que não dizer logo, diretamente, o que está no coração, se sabemos que não serão palavras ao vento? Mas todos aparentam ser mais duros do que realmente são, é como se todos temessem ofender seus sentimentos ao expressá-los muito depressa."
Faz um tempo já que acabei de ler "Noites Brancas", do Dostoiévski. E tenho aquele costumeiro vazio, ao acabar um livro de que gosto muito. Quanto mais leio esse russo, mais fico admirada. Esse foi um dos meus prediletos. E grifei, gridei, grifei. Algo que me soou um pouco com o antes e o depois do por-do-sol, do amanhecer, sabe-se lá os nomes exatos dessa dupla de filmes que me diz tanto sobre encontros. Essa coisa preciosa do encontro entre duas pessoas.
"Escute, por que parece sempre que até o melhor dos homens esconde algo do outro e se cala diante dele? Por que não dizer logo, diretamente, o que está no coração, se sabemos que não serão palavras ao vento? Mas todos aparentam ser mais duros do que realmente são, é como se todos temessem ofender seus sentimentos ao expressá-los muito depressa."
sábado, novembro 26
terça-feira, novembro 22
:: Registros inúteis
Eu amo, amo essa menina. E tenho vontade de registrar todos os diálogos que tenho com ela pra reler e rir mais e mais. Hoje:
- eu comecei a tomar herbalife hj. que cafona, nem espalha!
- rararara, mas você está linda. o auge da beleza.
- eu tô pq eu tô amando apaixonada né. niqui passa a paixão fica os bagulho. aí eu tô 10kg acima do meu peso (segundo meu amigo vendedor da herbalife)
Eu amo, amo essa menina. E tenho vontade de registrar todos os diálogos que tenho com ela pra reler e rir mais e mais. Hoje:
- eu comecei a tomar herbalife hj. que cafona, nem espalha!
- rararara, mas você está linda. o auge da beleza.
- eu tô pq eu tô amando apaixonada né. niqui passa a paixão fica os bagulho. aí eu tô 10kg acima do meu peso (segundo meu amigo vendedor da herbalife)
domingo, novembro 20
:: Diálogos inúteis
- Plantão?
- Isso!
- Eu também. E estou com fome, pulei o café da manhã.
- Idem. Tive que escolher entre banho e café e o banho ganhou só porque estou lendo um livro que diz que o banho precisa ganhar.
- ARARARARA! Que livro?
- A Parisiense - O guia de estilo de Ines de La Fressange. Foi a primeira modelo exclusiva da Chanel.
- Conta a parte do banho.
- É isso, ela diz que tem que tomar banho todo dia e lavar o cabelo todo dia, sem negociação. Deve ser uma dica importante na França. Até no Brasil tem sido.
- Plantão?
- Isso!
- Eu também. E estou com fome, pulei o café da manhã.
- Idem. Tive que escolher entre banho e café e o banho ganhou só porque estou lendo um livro que diz que o banho precisa ganhar.
- ARARARARA! Que livro?
- A Parisiense - O guia de estilo de Ines de La Fressange. Foi a primeira modelo exclusiva da Chanel.
- Conta a parte do banho.
- É isso, ela diz que tem que tomar banho todo dia e lavar o cabelo todo dia, sem negociação. Deve ser uma dica importante na França. Até no Brasil tem sido.
:: A chave amarela
É um almoço para poucas pessoas. Ele vai deixar São Paulo e um pouco de cada um de nós. E tem aquele Drummond de que amo desde sempre, e logo me veio à cabeça, "O presente é tão grande, não nos afastemos. Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas". Não hei de me afastar dele. E, sabe, mesmo não estando muito inspirada hoje para lhe escrever longamente, tem uma história que sou capaz de recuperar. A história que nós mesmos batizamos de "chave amarela". Há uns tantos anos, quando assisti "My Blueberry Nights", passei a entender o que diabos eu tinha com as chaves. Essa adoração, como se eu fosse abrir alguma coisa secreta, secreta e encontrar um mundo mais seguro e feliz, de repente. Do filme, pouca coisa me despertou. Tem Jude Law, tem a trilha sonora, linda, linda (exceto a Joss Stone, que me cansa deveras) e tem o lance das chaves. Bem no comecinho, no bar (ou no restaurante, não me lembro mais), ele mostra aquele vidro cheio delas, as esquecidas, as deixadas. Me fogem os detalhes. E foi ali, naquele momento, que me fez sentido o chaveiro da vaca Geralda (um chaveiro que carreguei pra cá e pra lá por anos, anos) carregado de chaves que não fazem mais sentido. Eu era a única neta com as chaves da casa de vovô e vovó. E vovô me fez um jogo colorido --e eu nunca havia visto chaves coloridas-- para que ficasse claro, só num decorar de cores, qual era a do primeiro portão, a da porta dos fundos e a da porta principal. E eu andava com aquele molho de chaves no maior orgulho de ser a única, a única neta, de 13, a ter as chaves da casa de vovô e vovó. Mas depois vovó morreu. E passado mais um tempo, um ano, dois, três, vovô morreu, sereno. A casa ficou à venda, depois de muito demorar, pois foi preciso nos desfazer de montes de coisas --vovô era colecionador obstinado, eram livros, discos, obras de arte, quadros. Uma beleza de casa. E fizemos aquela coisa triste, triste de abrir a casa a desconhecidos, depois de pinçarmos, em família, tudo o que iríamos manter entre os Santos Vieira. Mesmo passado tudo isso de tristeza e vazio e certa solidão --eram únicos, únicos, vovó fazia barquinhos de pão francês para nadar no café com leite (e foi, até hoje, a única pessoa capaz de fazer meu café com leite à perfeição), vovô passava horas a nos falar sobre livros e discos--, mantive as chaves daquelas mesmas portas, que sabe-se lá onde estão agora, no meu chaveiro da vaca Geralda. E aí que esse moço, sobre o qual falei ali no início, que vai deixar São Paulo e um pouco de todos nós, um dia me fez a cópia da chave da casa dele, amarela, pois ia viajar e me deixou de babá das gatas. Ele sabe, são gatas amáveis (e eu amo gatos). Ele sabe. E então, quando voltou de viagem, combinamos de manter a chave comigo. A chave daquela porta, daquele pequeno e aconchegante e adorável apartamento de janelas largas e badulaques nas paredes. E assim foi. Meu chaveiro, do gato do British Museum, pois aposentei a vaca Geralda, já caduca, passou a ter a chave amarela que dava passagem para aquele cantinho aprazível. Passou mais um tempo. Um longo tempo, aliás. E, certo dia, meu telefone tocou. Era ele, numa sexta à noite, angustiado, preso para fora de casa. Havia perdido sua chave. Eu estava na casinha a esperar uma visita muito especial. Já tinha tratado de espalhar vasinhos de flor aqui e ali, tocava um disco da Nina de que amo, e quem apareceu foi ele, esbaforido. Ainda não conhecia a casinha e, de certa forma, fiquei meio assim de recebê-lo tão depressa, por conta de uma emergência. Mas entreguei a chave a ele, apresentei o Moacir, e ele se foi, pronto, prontinho para abrir a porta de sua casa. Demorou uma semana e pouco, acho, mas me devolveu a chave amarela. Agora está de partida. Fará esse pequeno almoço em sua casa, num convite que pedia discrição, "porque o apartamento é pequeno, as cadeiras são poucas e o fogão, de quatro bocas, é da marca Daco". Combinamos que a chave permanece no meu chaveiro do gato azul, e a gente pode brincar de abrir nossos segredos, mesmo com essa distância física que vai se colocar entre nós.
É um almoço para poucas pessoas. Ele vai deixar São Paulo e um pouco de cada um de nós. E tem aquele Drummond de que amo desde sempre, e logo me veio à cabeça, "O presente é tão grande, não nos afastemos. Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas". Não hei de me afastar dele. E, sabe, mesmo não estando muito inspirada hoje para lhe escrever longamente, tem uma história que sou capaz de recuperar. A história que nós mesmos batizamos de "chave amarela". Há uns tantos anos, quando assisti "My Blueberry Nights", passei a entender o que diabos eu tinha com as chaves. Essa adoração, como se eu fosse abrir alguma coisa secreta, secreta e encontrar um mundo mais seguro e feliz, de repente. Do filme, pouca coisa me despertou. Tem Jude Law, tem a trilha sonora, linda, linda (exceto a Joss Stone, que me cansa deveras) e tem o lance das chaves. Bem no comecinho, no bar (ou no restaurante, não me lembro mais), ele mostra aquele vidro cheio delas, as esquecidas, as deixadas. Me fogem os detalhes. E foi ali, naquele momento, que me fez sentido o chaveiro da vaca Geralda (um chaveiro que carreguei pra cá e pra lá por anos, anos) carregado de chaves que não fazem mais sentido. Eu era a única neta com as chaves da casa de vovô e vovó. E vovô me fez um jogo colorido --e eu nunca havia visto chaves coloridas-- para que ficasse claro, só num decorar de cores, qual era a do primeiro portão, a da porta dos fundos e a da porta principal. E eu andava com aquele molho de chaves no maior orgulho de ser a única, a única neta, de 13, a ter as chaves da casa de vovô e vovó. Mas depois vovó morreu. E passado mais um tempo, um ano, dois, três, vovô morreu, sereno. A casa ficou à venda, depois de muito demorar, pois foi preciso nos desfazer de montes de coisas --vovô era colecionador obstinado, eram livros, discos, obras de arte, quadros. Uma beleza de casa. E fizemos aquela coisa triste, triste de abrir a casa a desconhecidos, depois de pinçarmos, em família, tudo o que iríamos manter entre os Santos Vieira. Mesmo passado tudo isso de tristeza e vazio e certa solidão --eram únicos, únicos, vovó fazia barquinhos de pão francês para nadar no café com leite (e foi, até hoje, a única pessoa capaz de fazer meu café com leite à perfeição), vovô passava horas a nos falar sobre livros e discos--, mantive as chaves daquelas mesmas portas, que sabe-se lá onde estão agora, no meu chaveiro da vaca Geralda. E aí que esse moço, sobre o qual falei ali no início, que vai deixar São Paulo e um pouco de todos nós, um dia me fez a cópia da chave da casa dele, amarela, pois ia viajar e me deixou de babá das gatas. Ele sabe, são gatas amáveis (e eu amo gatos). Ele sabe. E então, quando voltou de viagem, combinamos de manter a chave comigo. A chave daquela porta, daquele pequeno e aconchegante e adorável apartamento de janelas largas e badulaques nas paredes. E assim foi. Meu chaveiro, do gato do British Museum, pois aposentei a vaca Geralda, já caduca, passou a ter a chave amarela que dava passagem para aquele cantinho aprazível. Passou mais um tempo. Um longo tempo, aliás. E, certo dia, meu telefone tocou. Era ele, numa sexta à noite, angustiado, preso para fora de casa. Havia perdido sua chave. Eu estava na casinha a esperar uma visita muito especial. Já tinha tratado de espalhar vasinhos de flor aqui e ali, tocava um disco da Nina de que amo, e quem apareceu foi ele, esbaforido. Ainda não conhecia a casinha e, de certa forma, fiquei meio assim de recebê-lo tão depressa, por conta de uma emergência. Mas entreguei a chave a ele, apresentei o Moacir, e ele se foi, pronto, prontinho para abrir a porta de sua casa. Demorou uma semana e pouco, acho, mas me devolveu a chave amarela. Agora está de partida. Fará esse pequeno almoço em sua casa, num convite que pedia discrição, "porque o apartamento é pequeno, as cadeiras são poucas e o fogão, de quatro bocas, é da marca Daco". Combinamos que a chave permanece no meu chaveiro do gato azul, e a gente pode brincar de abrir nossos segredos, mesmo com essa distância física que vai se colocar entre nós.
terça-feira, novembro 15
:: Caderno de anotações
"Não é verdade que os apaixonados se enganam. Depois da paixão é que se enganariam. Mas depois da paixão, com perdão do truísmo, não há a paixão. Tudo isso é tão lógico como um teorema bem demonstrado." De "La logique de la paisson", Mme. Dachamps, p. 38, Gallimard, Paris, 1968.
"Não é verdade que os apaixonados se enganam. Depois da paixão é que se enganariam. Mas depois da paixão, com perdão do truísmo, não há a paixão. Tudo isso é tão lógico como um teorema bem demonstrado." De "La logique de la paisson", Mme. Dachamps, p. 38, Gallimard, Paris, 1968.
terça-feira, novembro 8
:: Os clássicos
Tenho pensado muito no vovô. Mais do que o normal. Não sei exatamente o que é. Uma vontade enorme, imensa, tremenda, talvez, de querer compartilhar da minha vida com ele. Aquela escuta atenta e orgulhosa, mas crítica. Aquela escuta que sempre o alimentou de maneira poética, até. E o interesse infindável pela vida. Pelas coisas da vida. E a admiração pelas artes, as obras que tanto amava catalogar. Os livros, os discos. De uma religiosidade e rigidez tamanha para organizar tudo aquilo. E eu, que não me desprendo dessa imagem nunca, nunca, esparramada naquele tapete peludo do escritório (lendo Fernando Pessoa naqueles livros de capa dura, de antigamente), que ficava no subsolo, bem em frente a um lindo jardim, de que cuidava como ninguém. Ali alimentava os pássaros até que ficassem saciados. E voltavam sempre. Cuidava daquelas flores todas e gostava muito, muito de levar os netos praquele cenário e fotografá-los. Depois que ficou mais velhinho fazia muito disso. Fotografava todos os encontros da família e depois mandava cópias para todos, num envelope com o nome de cada um escrito em caneta preta. Ele estava fazendo isso: compartilhando o amor. E sou grata por isso. Muito grata. Sou grata por ele ter me ensinado o amor pelos livros de literatura e de arte, por ter me colocado para ouvir os eruditos à exaustão, por ter me levado a todos os espetáculos de dança do Grupo Corpo e suportado meus ataques de riso quando criança. Hoje, nesta manhã em que perdi o sono antes mesmo de amanhecer, preparei um leite com café e vim ouvir Villa-Lobos. E fiquei aqui pensando, sabe, por que diabos eu não fui a neta a herdar os discos dele de Villa-Lobos. E me deu uma vontade enorme de sair, pular o dia de trabalho, e comprar sua obra completa e ouvir, ouvir. E ler e lembrar e tentar decorar o mapa do mundo para que ele tivesse orgulho de mim. Nunca, nunca se conformou de eu não saber a localização das coisas no mapa. E até hoje não sei - ainda que eu vá aprender, sim, por ele. Dia ou outro, vou aprender. Por enquanto, já aprendi a sequência dos oceanos, por exemplo. Pois, no mapa, eles foram a palavra "pai" - Pacífico, Atlântico, Índico. E então me deu uma vontade de contar sobre minhas andanças pelos sebos e minhas leituras dos livros de antigamente. Sobre os shows que tenho ido e sobre os jardins de apartamento que tenho feito aos fins de semana para me alegrar o decorrer dos dias. Contar que lembro do amor que ele guardou pela vovó até o fim - e que isso foi me ensinar, mais, sobre o amor. Sobre os buquês de rosas vermelhas com que ele fazia questão de presenteá-la - as levava, as flores, até a cama, para que ela pelo menos as olhasse, mesmo que não entendesse, com clareza, o que eram aquelas rosas vermelhas e o que representavam. Uma vontade de que ele lesse minhas reportagens e me ouvisse no rádio. Uma saudade, acho, de algo que era tão verdadeiro. E tão raro.
Tenho pensado muito no vovô. Mais do que o normal. Não sei exatamente o que é. Uma vontade enorme, imensa, tremenda, talvez, de querer compartilhar da minha vida com ele. Aquela escuta atenta e orgulhosa, mas crítica. Aquela escuta que sempre o alimentou de maneira poética, até. E o interesse infindável pela vida. Pelas coisas da vida. E a admiração pelas artes, as obras que tanto amava catalogar. Os livros, os discos. De uma religiosidade e rigidez tamanha para organizar tudo aquilo. E eu, que não me desprendo dessa imagem nunca, nunca, esparramada naquele tapete peludo do escritório (lendo Fernando Pessoa naqueles livros de capa dura, de antigamente), que ficava no subsolo, bem em frente a um lindo jardim, de que cuidava como ninguém. Ali alimentava os pássaros até que ficassem saciados. E voltavam sempre. Cuidava daquelas flores todas e gostava muito, muito de levar os netos praquele cenário e fotografá-los. Depois que ficou mais velhinho fazia muito disso. Fotografava todos os encontros da família e depois mandava cópias para todos, num envelope com o nome de cada um escrito em caneta preta. Ele estava fazendo isso: compartilhando o amor. E sou grata por isso. Muito grata. Sou grata por ele ter me ensinado o amor pelos livros de literatura e de arte, por ter me colocado para ouvir os eruditos à exaustão, por ter me levado a todos os espetáculos de dança do Grupo Corpo e suportado meus ataques de riso quando criança. Hoje, nesta manhã em que perdi o sono antes mesmo de amanhecer, preparei um leite com café e vim ouvir Villa-Lobos. E fiquei aqui pensando, sabe, por que diabos eu não fui a neta a herdar os discos dele de Villa-Lobos. E me deu uma vontade enorme de sair, pular o dia de trabalho, e comprar sua obra completa e ouvir, ouvir. E ler e lembrar e tentar decorar o mapa do mundo para que ele tivesse orgulho de mim. Nunca, nunca se conformou de eu não saber a localização das coisas no mapa. E até hoje não sei - ainda que eu vá aprender, sim, por ele. Dia ou outro, vou aprender. Por enquanto, já aprendi a sequência dos oceanos, por exemplo. Pois, no mapa, eles foram a palavra "pai" - Pacífico, Atlântico, Índico. E então me deu uma vontade de contar sobre minhas andanças pelos sebos e minhas leituras dos livros de antigamente. Sobre os shows que tenho ido e sobre os jardins de apartamento que tenho feito aos fins de semana para me alegrar o decorrer dos dias. Contar que lembro do amor que ele guardou pela vovó até o fim - e que isso foi me ensinar, mais, sobre o amor. Sobre os buquês de rosas vermelhas com que ele fazia questão de presenteá-la - as levava, as flores, até a cama, para que ela pelo menos as olhasse, mesmo que não entendesse, com clareza, o que eram aquelas rosas vermelhas e o que representavam. Uma vontade de que ele lesse minhas reportagens e me ouvisse no rádio. Uma saudade, acho, de algo que era tão verdadeiro. E tão raro.
domingo, novembro 6
:: Amor de gato
Tenho loucura pelo Moacir, o tigrinho. Ele me foi um presente do meu tio num momento difícil da vida. É para você aprender o amor de gato, ele me disse. E Moacir sempre foi assim: um exemplo de amor de gato. Diferente de todos os outros que já tive: grudados, exageradamente dóceis, um amor incontrolável. Moacir, o tigrinho, não. Moacir tem uma coisa selvagem. Não é arredio, mas não gosta de colo. Mas gosta de ficar colado. E eu o observo com toda a atenção. Nessa missão-pra-sempre de aprender sobre o amor dos gatos. E ele me dá pequenas alegrias com suas manias. O lugar que mais gosta na casinha, por exemplo, é o box de vidrotil branco, molhado, depois que saio do banho. Ele se esparrama ali religiosamente, faça chuva, faça sol. Das brincadeiras de que mais ama está a loucura pelas pedras de gelo do meu copo d'água matinal. Ele derruba um a cada dois dias no sofá, e não consigo ralhar. Pois ele coloca a patinha dentro do copo para pegar as pedrinhas de gelo, enquanto estou compenetrada escrevendo, na maior parte das vezes, ou lendo, e vira o copo numa alegria sem fim, até que espalha as pedrinhas de gelo ali sobre o tapete vermelho e corre de lá pra cá com elas, de cá pra lá. E assim vai. Tem outros coisas. Ele sobe na minha bancada cheia, lotada, abarrotada de cacarecos e não derruba (quase) nada. Sempre. Ele derruba propositalmente apenas um porquinho miúdo de madeira. Passa no maior equilibrismo entre a bicileta, os vasinhos de flor, a cadeirinha em miniatura e isso e aquilo. E não derruba nada. Nem sem querer. Apenas o porquinho de madeira, que empurra com a patinha, no maior cuidado, até que caia no chão. E então pula lá de cima com uma alegria que posso reparar à distância e corre pela minicasa jogando o tal porquiho de cá pra lá. Para comer, ele também tem alguns rituais. Gosta da água temperada, como já contei aqui vezes e vezes, e de ração crocante. Por isso insisto em colocar de poquinho em pouquinho. E ele fica assim pertinho do potinho da ração, pega os grãos com a patinha, um por um, joga para fora do potinho e aí come. E eu acho amável, amável. E ele ama ouvir música comigo. Gosta de tango e de Caetano Veloso. Gosta de Django e Nina Simone. E fica na maior alegria quando coloco Billie Holiday pra gente, o mesmo nome da gata da vizinha da frente. Aliás, ele tem estado muito empenhado em construir uma relação com o cãozinho da vizinha do lado. Noa adentra a casinha numa agitação de criança e eles brincam, brincam. Uma lindeza. E eu, sabe, eu observo. Observo até que eu aprenda essa coisa do amor dos gatos...
Tenho loucura pelo Moacir, o tigrinho. Ele me foi um presente do meu tio num momento difícil da vida. É para você aprender o amor de gato, ele me disse. E Moacir sempre foi assim: um exemplo de amor de gato. Diferente de todos os outros que já tive: grudados, exageradamente dóceis, um amor incontrolável. Moacir, o tigrinho, não. Moacir tem uma coisa selvagem. Não é arredio, mas não gosta de colo. Mas gosta de ficar colado. E eu o observo com toda a atenção. Nessa missão-pra-sempre de aprender sobre o amor dos gatos. E ele me dá pequenas alegrias com suas manias. O lugar que mais gosta na casinha, por exemplo, é o box de vidrotil branco, molhado, depois que saio do banho. Ele se esparrama ali religiosamente, faça chuva, faça sol. Das brincadeiras de que mais ama está a loucura pelas pedras de gelo do meu copo d'água matinal. Ele derruba um a cada dois dias no sofá, e não consigo ralhar. Pois ele coloca a patinha dentro do copo para pegar as pedrinhas de gelo, enquanto estou compenetrada escrevendo, na maior parte das vezes, ou lendo, e vira o copo numa alegria sem fim, até que espalha as pedrinhas de gelo ali sobre o tapete vermelho e corre de lá pra cá com elas, de cá pra lá. E assim vai. Tem outros coisas. Ele sobe na minha bancada cheia, lotada, abarrotada de cacarecos e não derruba (quase) nada. Sempre. Ele derruba propositalmente apenas um porquinho miúdo de madeira. Passa no maior equilibrismo entre a bicileta, os vasinhos de flor, a cadeirinha em miniatura e isso e aquilo. E não derruba nada. Nem sem querer. Apenas o porquinho de madeira, que empurra com a patinha, no maior cuidado, até que caia no chão. E então pula lá de cima com uma alegria que posso reparar à distância e corre pela minicasa jogando o tal porquiho de cá pra lá. Para comer, ele também tem alguns rituais. Gosta da água temperada, como já contei aqui vezes e vezes, e de ração crocante. Por isso insisto em colocar de poquinho em pouquinho. E ele fica assim pertinho do potinho da ração, pega os grãos com a patinha, um por um, joga para fora do potinho e aí come. E eu acho amável, amável. E ele ama ouvir música comigo. Gosta de tango e de Caetano Veloso. Gosta de Django e Nina Simone. E fica na maior alegria quando coloco Billie Holiday pra gente, o mesmo nome da gata da vizinha da frente. Aliás, ele tem estado muito empenhado em construir uma relação com o cãozinho da vizinha do lado. Noa adentra a casinha numa agitação de criança e eles brincam, brincam. Uma lindeza. E eu, sabe, eu observo. Observo até que eu aprenda essa coisa do amor dos gatos...
segunda-feira, outubro 31
:: O tempo não para
E eu queria, mesmo, fazer o tempo parar um tanto. Ou, não. O tempo podia continuar correndo sem que eu tivesse de correr também. O tempo podia correr enquanto eu ficava na casinha, no meu edredon branco-com-cheiro-de-lavanda, quieta. Porque a sensação que eu tive (e foi muito séria e foi muito real) é de que eu desprenderia horas e horas, dias, até, lendo os escritos dele, ouvindo no repeat "Obatalá", que é a oração que me inspira ao entrar dentro do coração dele, quase. Da casa dele. Da vida dele. Como uma coisa tão, tão profunda que merece um respeito enorme, imenso. Um respeito que nem sei bem dizer como é (nem o que é, vai saber). Mas vem com a ideia de que eu teria de me isolar um tanto do mundo. Para que eu pudesse viver aquilo inteiro. Como ele nos dá. Aquilo em estado bruto.
E eu queria, mesmo, fazer o tempo parar um tanto. Ou, não. O tempo podia continuar correndo sem que eu tivesse de correr também. O tempo podia correr enquanto eu ficava na casinha, no meu edredon branco-com-cheiro-de-lavanda, quieta. Porque a sensação que eu tive (e foi muito séria e foi muito real) é de que eu desprenderia horas e horas, dias, até, lendo os escritos dele, ouvindo no repeat "Obatalá", que é a oração que me inspira ao entrar dentro do coração dele, quase. Da casa dele. Da vida dele. Como uma coisa tão, tão profunda que merece um respeito enorme, imenso. Um respeito que nem sei bem dizer como é (nem o que é, vai saber). Mas vem com a ideia de que eu teria de me isolar um tanto do mundo. Para que eu pudesse viver aquilo inteiro. Como ele nos dá. Aquilo em estado bruto.
quarta-feira, outubro 19
domingo, outubro 16
sábado, outubro 15
:: Chá com biscoitos
Sabe que está essa chuva e esse dia cinza e ontem chorei aos borbotões e os olhos estão um pouco inchados, até. Mas está tudo bem. Estou ouvindo "Obatalá" e isso me traz calma. Estou de pijama de flanela e isso me deixa bem quentinha. Estou encostada nesse pelo macio do Moacir e isso me traz alegria. A casinha está linda. Decorada com florzinhas em miniatura, outras não. Trouxe da feira do Bixiga montes de minivasinhos de flor e fiz um lindo jardim de apartamento. Agora chamo as flores daqui assim, de jardim de apartamento. Desta vez temos miniorquídeas, laranjinhas e vermelhas. Lindicas, uma delicadeza-sem-fim. E temos ainda rosinhas miúdas e florzinhas brancas, daquelas que a gente costuma colocar no meio dos arranjos para incrementá-los. Mas temos essas aqui soltas, em vasinhos pequetuchos. Fofo. E aí aqui na casinha está assim, a louça lavada, as roupas estendidas no varal, em tons de rosa e verde. Tem vermelho também. Mas não há desordem. Estão organizadamente penduradas. E um clima gostoso de aconchego no ar, sabe. Gosto disso aqui. Dessa coisa de me manter aconchegada sempre, sempre. Não importam as tristezas, nem a solidão. Por isso que me deu uma vontade louca de receber alguém de que gosto, ficar descalça, só de meias para não sentir frio, para servir um chá que ganhei dia desses, um chá verde com flocos de arroz do Japão. Mas pode ser outro também. Aqui tem vários, vários. Tem até aqueles florais que vieram numa linda caixinha, lá da China, na mala dele tempos atrás. Ofereço ainda os biscoitinhos Jules Destrooper, de 1886. Gosto dessa coisa do passar dos anos. Das coisas que resistem ao tempo. Mas os biscoitinhos Jules Destrooper não são bons só por isso. São só melhores por conta disso. Vamos tomar chá com biscoitos?
Sabe que está essa chuva e esse dia cinza e ontem chorei aos borbotões e os olhos estão um pouco inchados, até. Mas está tudo bem. Estou ouvindo "Obatalá" e isso me traz calma. Estou de pijama de flanela e isso me deixa bem quentinha. Estou encostada nesse pelo macio do Moacir e isso me traz alegria. A casinha está linda. Decorada com florzinhas em miniatura, outras não. Trouxe da feira do Bixiga montes de minivasinhos de flor e fiz um lindo jardim de apartamento. Agora chamo as flores daqui assim, de jardim de apartamento. Desta vez temos miniorquídeas, laranjinhas e vermelhas. Lindicas, uma delicadeza-sem-fim. E temos ainda rosinhas miúdas e florzinhas brancas, daquelas que a gente costuma colocar no meio dos arranjos para incrementá-los. Mas temos essas aqui soltas, em vasinhos pequetuchos. Fofo. E aí aqui na casinha está assim, a louça lavada, as roupas estendidas no varal, em tons de rosa e verde. Tem vermelho também. Mas não há desordem. Estão organizadamente penduradas. E um clima gostoso de aconchego no ar, sabe. Gosto disso aqui. Dessa coisa de me manter aconchegada sempre, sempre. Não importam as tristezas, nem a solidão. Por isso que me deu uma vontade louca de receber alguém de que gosto, ficar descalça, só de meias para não sentir frio, para servir um chá que ganhei dia desses, um chá verde com flocos de arroz do Japão. Mas pode ser outro também. Aqui tem vários, vários. Tem até aqueles florais que vieram numa linda caixinha, lá da China, na mala dele tempos atrás. Ofereço ainda os biscoitinhos Jules Destrooper, de 1886. Gosto dessa coisa do passar dos anos. Das coisas que resistem ao tempo. Mas os biscoitinhos Jules Destrooper não são bons só por isso. São só melhores por conta disso. Vamos tomar chá com biscoitos?
:: As decisões e a despensa
E então abri minha geladeira porque já passa muito, muito de meio-dia. A Coca Zero acabou (e, aqui na casinha, é mais grave faltar Coca do que papel-higiênico). Por isso tive de abortar a missão "almoço". Farei um café da manhã repetido, com uma emocionante xícara de leite desnatado com café, uma fatia de queijo serra da Canastra, uma fatia daquele pão bom, daquela padaria fofa, onde preciso voltar, a Marie-Madeleine. E o processo do acordar nesse sábado de chuva vai se arrastar um pouco ainda. Porque, sabe, estou tomando café da manhã. E aí minha cama de edredon branco e lençóis igualmente brancos, perfumados de lavanda, me chama e aquela obra completa de Manoel de Barros ali ao lado e as lindas canções do Metá Metá, do Wisnik, do Itamar. Essa manhã, que já virou tarde, sem perder a cara da manhã, está meio assim.
E então abri minha geladeira porque já passa muito, muito de meio-dia. A Coca Zero acabou (e, aqui na casinha, é mais grave faltar Coca do que papel-higiênico). Por isso tive de abortar a missão "almoço". Farei um café da manhã repetido, com uma emocionante xícara de leite desnatado com café, uma fatia de queijo serra da Canastra, uma fatia daquele pão bom, daquela padaria fofa, onde preciso voltar, a Marie-Madeleine. E o processo do acordar nesse sábado de chuva vai se arrastar um pouco ainda. Porque, sabe, estou tomando café da manhã. E aí minha cama de edredon branco e lençóis igualmente brancos, perfumados de lavanda, me chama e aquela obra completa de Manoel de Barros ali ao lado e as lindas canções do Metá Metá, do Wisnik, do Itamar. Essa manhã, que já virou tarde, sem perder a cara da manhã, está meio assim.
sexta-feira, outubro 14
:: A predileta
Minha predileta do disco Metá Metá, de Kiko Dinucci, Juçara Marçal e Thiago França, já se fez, fácil, fácil, sem esforço, sem dúvida: "Obatalá". Dessas para ouvir e de novo e de novo e de novo. Vai entrar praquela listinha que já tem "Circlesong 3", do Bobby Mcferrin, montes de Juarez Maciel, Yann Tiersen e um Baden ou outro. Aquelas músicas que não sei bem se me fazem triste ou feliz. Ou se só levam à potência máxima os pequenos sentimentos. De repente, pode ser isso. Pode ser isso.
Minha predileta do disco Metá Metá, de Kiko Dinucci, Juçara Marçal e Thiago França, já se fez, fácil, fácil, sem esforço, sem dúvida: "Obatalá". Dessas para ouvir e de novo e de novo e de novo. Vai entrar praquela listinha que já tem "Circlesong 3", do Bobby Mcferrin, montes de Juarez Maciel, Yann Tiersen e um Baden ou outro. Aquelas músicas que não sei bem se me fazem triste ou feliz. Ou se só levam à potência máxima os pequenos sentimentos. De repente, pode ser isso. Pode ser isso.
quinta-feira, outubro 13
domingo, outubro 9
:: Coisas assim
Eu ia dizendo essa coisa de Manoel de Barros neste domingo de manhã. Agora temos o livro gêmeo --e tantos outros devem ter. Mas importa que podemos, por exemplo agora --ou não porque ele é dorminhoco-- estar lendo o mesmo trecho e pensando que lindo, que lindo. Tem essa coisa linda que diz na introdução de que gostei muito e tive vontade de escrever aqui. Porque tenho essa mania, ele sabe, de escrever aqui coisas para reler. Primeiro Manoel de Barros fala sobre a ideia das distâncias. "As distâncias somavam a gente para menos. Nossa morada estava tão perto do abandono que dava até para a gente pegar nele." Não é lindo? Mas gosto ainda mais, acho, daquele pedacinho lá do final, em que ele fala de desenhos verbais, como o sapo, que é um pedaço de chão que pula. Gosto mais e mais da ideia de poesia ser a "infância da língua". E, olha: "Sei que os meus desenhos verbais nada significam. Nada. Mas se o nada desaparecer a poesia acaba. Eu sei. Sobre o nada eu tenho profundidades".
Eu ia dizendo essa coisa de Manoel de Barros neste domingo de manhã. Agora temos o livro gêmeo --e tantos outros devem ter. Mas importa que podemos, por exemplo agora --ou não porque ele é dorminhoco-- estar lendo o mesmo trecho e pensando que lindo, que lindo. Tem essa coisa linda que diz na introdução de que gostei muito e tive vontade de escrever aqui. Porque tenho essa mania, ele sabe, de escrever aqui coisas para reler. Primeiro Manoel de Barros fala sobre a ideia das distâncias. "As distâncias somavam a gente para menos. Nossa morada estava tão perto do abandono que dava até para a gente pegar nele." Não é lindo? Mas gosto ainda mais, acho, daquele pedacinho lá do final, em que ele fala de desenhos verbais, como o sapo, que é um pedaço de chão que pula. Gosto mais e mais da ideia de poesia ser a "infância da língua". E, olha: "Sei que os meus desenhos verbais nada significam. Nada. Mas se o nada desaparecer a poesia acaba. Eu sei. Sobre o nada eu tenho profundidades".
quarta-feira, outubro 5
segunda-feira, outubro 3
terça-feira, setembro 27
:: Pequenas alegrias
Meu amor eterno ao Pintinho! E obrigada deos por ele existir e me fazer rir até na desgraça. RÁ!
Meu amor eterno ao Pintinho! E obrigada deos por ele existir e me fazer rir até na desgraça. RÁ!
segunda-feira, setembro 26
domingo, setembro 25
:: O não querer
Foram quase 12 horas de hospital ontem. Quase, quase. Eu fico somando o tempo. Não sei ser diferente disso. Ontem pude vê-lo dormir um pouco mais em paz --o que me deixou mais em paz também. Mas a história no restaurante se repetiu. Foi ainda pior na verdade. Isso me aborreceu. Por mim, pela minha irmã, pelo meu pai. E agora, sabe, é domingo de manhã, passei um café fresquinho, da fazenda DaTerra, de que amo, amo, para misturar com o leite que esquentei em paralelo. Sempre na xícara de bolinhas coloridas para ver se dá alguma alegria. E então coloquei Caetano para tocar, "A Terceira Margem do Rio", dei um gole comprido na água gelada, pra fechar o ritual matinal e, sabe, terei de fazer coisas que não quero. Tem sido assim. Uma semana de coisas que não quero. Vou me arrumar (bem) mais rápido do que eu gostaria. E vou para o plantão no jornal. Se eu ficasse, ia ouvir mais Caetano. Tomar um pouco de café puro. Enrolar de pijama. Ler o jornal esparramada. Mas não. Já estou atrasada para um dia de coisas que não quero fazer.
Foram quase 12 horas de hospital ontem. Quase, quase. Eu fico somando o tempo. Não sei ser diferente disso. Ontem pude vê-lo dormir um pouco mais em paz --o que me deixou mais em paz também. Mas a história no restaurante se repetiu. Foi ainda pior na verdade. Isso me aborreceu. Por mim, pela minha irmã, pelo meu pai. E agora, sabe, é domingo de manhã, passei um café fresquinho, da fazenda DaTerra, de que amo, amo, para misturar com o leite que esquentei em paralelo. Sempre na xícara de bolinhas coloridas para ver se dá alguma alegria. E então coloquei Caetano para tocar, "A Terceira Margem do Rio", dei um gole comprido na água gelada, pra fechar o ritual matinal e, sabe, terei de fazer coisas que não quero. Tem sido assim. Uma semana de coisas que não quero. Vou me arrumar (bem) mais rápido do que eu gostaria. E vou para o plantão no jornal. Se eu ficasse, ia ouvir mais Caetano. Tomar um pouco de café puro. Enrolar de pijama. Ler o jornal esparramada. Mas não. Já estou atrasada para um dia de coisas que não quero fazer.
sábado, setembro 24
:: O registro das coisas
Tenho um pouco essa sensação de que se recuperasse um tanto da energia, ia escrever, escrever. Com minúcia de detalhes, aquela coisa da textura do pão, que chegou duro à mesa, sabe. Então, eu penso, não me sirvam pão como cortesia. Eu prefiro pagar ou não comer. Mas, mesmo, não quero saber de pão duro, que machuca a boca, seco, desse serviço com desleixo, descompromissado, como se você, cliente, fosse um idiota, ou uma merda. Outro dia saí de lá com certa vontade de escrever uma carta longa, à mão, tentando descrever a sensação que é estar ali e ser tratado daquele jeito displicente. É um restaurante dentro de um hospital. Um hospital metido a hotelaria cinco estrelas. Tudo brilhando, pé-direito alto, obras de arte, plaquinhas homenageando esse e aquele judeu. Enfermeiros com bom português, as máquinas de vida da mais alta tecnologia. Serviçais que entram nos aposentos e arrumam a cama do acompanhante com lençol recém-chegado da lavanderia, de um branco impecável. As equipes mais reconhecidas de médicos. E aquele restaurante ali. Com um salão que até ficou interessante, suspenso, envidraçado, com vista para as outras unidades do hospital mas também para um verde vistoso, que até alegra. Mesas relativamente espaçadas, o que dá certo conforto. E aquela coisa de antigamente, de quando o Viena era um lugar legal, nos primórdios, dos lápis de cor, para rabiscar nas toalhas de papel. Essa parte gosto ainda hoje porque é lúdico. E, sabe, ali no hospital não se tem muita força para conversar, às vezes. Então a gente se põe a desenhar e é melhor. Acalma. Mesmo que você seja uma pessoa como eu, que não sabe desenhar um homem-palito sequer. Tem a coisa das cores e vocie pode ficar escrevendo nomes. Não sei. Mas você pisa ali e é uma desgraça. Porque, acompanha, estar ali é o respiro. É o respiro daquelas pessoas que estão sofrendo profundamente ali naquele hospital. Daquelas pessoas que acompanham os doentes. Que presenciam a dor de alguém que ama. Aquele restaurante ali (gente, alguém percebe isso e resolve esse problema) deveria nos acolher. Acolher mesmo. Você deveria ser recebido com rapidez. Quem está ali está com fome. Está até meio enjoado. Está há tempos sem comer. E, pior, está triste. Quem está ali, está triste. É preciso saber lidar com esse público. Esse público cansado, exaurido, triste. Não é qualquer restaurante, alguém avisa? E então demora-se um tempo escorregadio esperando que algum garçom faça o favor de te olhar. E mais um tempo até que ele faça o favor de caminhar até a sua mesa. E esse inferno de pão cortesia. Sério: não me sirvam pão cortesia. Eu quero um couvert agora, ao sentar na mesa, com pão quentinho, rápido. Eu estou triste e com fome. Não me façam esperar. Pior: não me façam esperar por um pão cortesia frio e duro e seco que demora uma eternidade capaz de tirar o último fio de bom humor que poderia haver ali bem no fundo da minha alma. Traga as nossas bebidas rápido. E, sabe, anote meus pedidos com atenção. Não traga a omelete com fritas se pedimos com salada. Não traga o misto com pão pita se pedimos com pão francês. Porque a comida ali já é ruim. Meia-boca. Então, sabe, se eu quero um pão francês e eu estou triste... Me traga um pão francês. Ali, sabe, tudo fica mais delicado. Tudo fica mais urgente. Me recepcione bem, por favor. Não estou pedindo muito, acho. É algo que esperaria em qualquer restaurante. Eu saio de casa para comer bem e ser bem atendido. Se não, não faria sentido. Mas ali, sabe, tem de ser mais impecável. E tem isso, bastam os preços alarmantes, a comida de quinta categoria, o café Pilão mal-tirado. Estou descontando tudo isso. De verdade. Estou descontando. Mas me atenda bem, com carinho e precisão. Eu estou triste, com fome, meio enjoada, carente. Não me traga pão amanhecido, duro, seco, que demora horas para chegar à mesa. Não troque a minha salada por fritas, nem o meu pão francês por pão pita. Não desvie o olhar quando te olho, garçom, ali de longe. Eu quero mais uma coca zero com gelo. E sem limão. Anota isso no seu caderninho: eu não gosto de limão na coca com gelo. Me traga a conta já com a máquina do cartão e faz isso tudo passar logo, sabe. Porque amanhã terei de comer aqui de novo. E o sofrimento só cresce. O cansaço. A fome misturada com o enjoo. Por favor, me atendam melhor. A vida já está difícil o bastante para eu ter de lidar com a sua incompetência.
Tenho um pouco essa sensação de que se recuperasse um tanto da energia, ia escrever, escrever. Com minúcia de detalhes, aquela coisa da textura do pão, que chegou duro à mesa, sabe. Então, eu penso, não me sirvam pão como cortesia. Eu prefiro pagar ou não comer. Mas, mesmo, não quero saber de pão duro, que machuca a boca, seco, desse serviço com desleixo, descompromissado, como se você, cliente, fosse um idiota, ou uma merda. Outro dia saí de lá com certa vontade de escrever uma carta longa, à mão, tentando descrever a sensação que é estar ali e ser tratado daquele jeito displicente. É um restaurante dentro de um hospital. Um hospital metido a hotelaria cinco estrelas. Tudo brilhando, pé-direito alto, obras de arte, plaquinhas homenageando esse e aquele judeu. Enfermeiros com bom português, as máquinas de vida da mais alta tecnologia. Serviçais que entram nos aposentos e arrumam a cama do acompanhante com lençol recém-chegado da lavanderia, de um branco impecável. As equipes mais reconhecidas de médicos. E aquele restaurante ali. Com um salão que até ficou interessante, suspenso, envidraçado, com vista para as outras unidades do hospital mas também para um verde vistoso, que até alegra. Mesas relativamente espaçadas, o que dá certo conforto. E aquela coisa de antigamente, de quando o Viena era um lugar legal, nos primórdios, dos lápis de cor, para rabiscar nas toalhas de papel. Essa parte gosto ainda hoje porque é lúdico. E, sabe, ali no hospital não se tem muita força para conversar, às vezes. Então a gente se põe a desenhar e é melhor. Acalma. Mesmo que você seja uma pessoa como eu, que não sabe desenhar um homem-palito sequer. Tem a coisa das cores e vocie pode ficar escrevendo nomes. Não sei. Mas você pisa ali e é uma desgraça. Porque, acompanha, estar ali é o respiro. É o respiro daquelas pessoas que estão sofrendo profundamente ali naquele hospital. Daquelas pessoas que acompanham os doentes. Que presenciam a dor de alguém que ama. Aquele restaurante ali (gente, alguém percebe isso e resolve esse problema) deveria nos acolher. Acolher mesmo. Você deveria ser recebido com rapidez. Quem está ali está com fome. Está até meio enjoado. Está há tempos sem comer. E, pior, está triste. Quem está ali, está triste. É preciso saber lidar com esse público. Esse público cansado, exaurido, triste. Não é qualquer restaurante, alguém avisa? E então demora-se um tempo escorregadio esperando que algum garçom faça o favor de te olhar. E mais um tempo até que ele faça o favor de caminhar até a sua mesa. E esse inferno de pão cortesia. Sério: não me sirvam pão cortesia. Eu quero um couvert agora, ao sentar na mesa, com pão quentinho, rápido. Eu estou triste e com fome. Não me façam esperar. Pior: não me façam esperar por um pão cortesia frio e duro e seco que demora uma eternidade capaz de tirar o último fio de bom humor que poderia haver ali bem no fundo da minha alma. Traga as nossas bebidas rápido. E, sabe, anote meus pedidos com atenção. Não traga a omelete com fritas se pedimos com salada. Não traga o misto com pão pita se pedimos com pão francês. Porque a comida ali já é ruim. Meia-boca. Então, sabe, se eu quero um pão francês e eu estou triste... Me traga um pão francês. Ali, sabe, tudo fica mais delicado. Tudo fica mais urgente. Me recepcione bem, por favor. Não estou pedindo muito, acho. É algo que esperaria em qualquer restaurante. Eu saio de casa para comer bem e ser bem atendido. Se não, não faria sentido. Mas ali, sabe, tem de ser mais impecável. E tem isso, bastam os preços alarmantes, a comida de quinta categoria, o café Pilão mal-tirado. Estou descontando tudo isso. De verdade. Estou descontando. Mas me atenda bem, com carinho e precisão. Eu estou triste, com fome, meio enjoada, carente. Não me traga pão amanhecido, duro, seco, que demora horas para chegar à mesa. Não troque a minha salada por fritas, nem o meu pão francês por pão pita. Não desvie o olhar quando te olho, garçom, ali de longe. Eu quero mais uma coca zero com gelo. E sem limão. Anota isso no seu caderninho: eu não gosto de limão na coca com gelo. Me traga a conta já com a máquina do cartão e faz isso tudo passar logo, sabe. Porque amanhã terei de comer aqui de novo. E o sofrimento só cresce. O cansaço. A fome misturada com o enjoo. Por favor, me atendam melhor. A vida já está difícil o bastante para eu ter de lidar com a sua incompetência.
sexta-feira, setembro 23
quinta-feira, setembro 15
terça-feira, setembro 13
:: Repeat
Estou num amor sem-fim com o Itamar Assumpção. Ouço e fico cada dia mais atenta aos detalhes das letras e fico admirando e achando aquilo que ele fez e deixou pra gente lindo, lindo. Ele diz coisas como "A tua boca me dá água na boca / Ai que vontade de grudar uma na outra / E sugar bem devagar / gota por gota" ou então aquela dos olhos nos olhos, de que amo: "Cartão postal é bacana mas bom mesmo é ter você na minha cama / Mensagem não é consolo bom mesmo é ali olho no olho".
Estou num amor sem-fim com o Itamar Assumpção. Ouço e fico cada dia mais atenta aos detalhes das letras e fico admirando e achando aquilo que ele fez e deixou pra gente lindo, lindo. Ele diz coisas como "A tua boca me dá água na boca / Ai que vontade de grudar uma na outra / E sugar bem devagar / gota por gota" ou então aquela dos olhos nos olhos, de que amo: "Cartão postal é bacana mas bom mesmo é ter você na minha cama / Mensagem não é consolo bom mesmo é ali olho no olho".
segunda-feira, setembro 12
:: As leituras, o vazio
E então eu acabei de ler as cartas de Tabucchi. Livro grifado inteirinho, com imagens de que gosto muito, como aquela da mulher que disse "tchau, até amanhã" e nunca mais apareceu. Depois ele foi redescobri-la numa foto no jornal que embrulhava os legumes que havia comprado naquele verdureito neto de italianos, um jornal amassado, manchado de alface. "Tiro as frutas e legumes, e vejo que é o mesmo sorriso de quarenta anos atrás, de quando você me disse: Tchau, até amanhã." E agora, aquele vazio de quando a gente acaba um livro de que tanto gostou, enrolou para ler, para que não acabasse, mas acabou. E na dúvida de começar ou não aquele best-seller que comprei com a amiga na amada Livraria da Vila ou se tento de novo, pela milésima vez, ler "O Passado", de Alan Pauls, naquela linda edição da Cosac Naify. Pois, desta vez, passei da página 30 e estou desconfiada de que a leitura possa engatar. Ainda mais porque Sofia tinha aquela mania de deixar bilhetes e cartas espalhadas. E eu tenho um amor desmedido por cartas escritas à mão.
E então eu acabei de ler as cartas de Tabucchi. Livro grifado inteirinho, com imagens de que gosto muito, como aquela da mulher que disse "tchau, até amanhã" e nunca mais apareceu. Depois ele foi redescobri-la numa foto no jornal que embrulhava os legumes que havia comprado naquele verdureito neto de italianos, um jornal amassado, manchado de alface. "Tiro as frutas e legumes, e vejo que é o mesmo sorriso de quarenta anos atrás, de quando você me disse: Tchau, até amanhã." E agora, aquele vazio de quando a gente acaba um livro de que tanto gostou, enrolou para ler, para que não acabasse, mas acabou. E na dúvida de começar ou não aquele best-seller que comprei com a amiga na amada Livraria da Vila ou se tento de novo, pela milésima vez, ler "O Passado", de Alan Pauls, naquela linda edição da Cosac Naify. Pois, desta vez, passei da página 30 e estou desconfiada de que a leitura possa engatar. Ainda mais porque Sofia tinha aquela mania de deixar bilhetes e cartas espalhadas. E eu tenho um amor desmedido por cartas escritas à mão.
:: Romantismo
Eu não tiro essa imagem da cabeça: da fazenda na região de Extremadura, na qual os gansos são criados soltos e se alimentam de figos e azeitonas para engordar naturalmente. E comem mais para acumular gordura no inverno e então são abatidos, sem dor e se tensão, para dar o melhor foie gras do mundo.
Eu não tiro essa imagem da cabeça: da fazenda na região de Extremadura, na qual os gansos são criados soltos e se alimentam de figos e azeitonas para engordar naturalmente. E comem mais para acumular gordura no inverno e então são abatidos, sem dor e se tensão, para dar o melhor foie gras do mundo.
:: Sobre amores e corações
Outro dia, antes de viajar, mandei pra ele a Karen Dalton cantando "How Sweet It Is", desses meus presentes musicais de vez ou outra. Ele respondeu. Gostou da música. Achou feliz. Depois disse que gostar de mim era "como comer algo doce com um toque meio ácido, que dá arrepio na língua". Até hoje não sei bem o que foi esse "gostar de mim". Acho que ele também não. Mas, pensando um pouco, ele tentou colocar alguma coisa em palavras. Para organizar as ideias, de repente? E então gostar de mim era mais simples, como o "primeiro café do dia", o "último uísque da noite". "Sorvete de chocolate no inverno, picolé de limão no verão", "coca zero com gelo". E outras coisas mais.
Outro dia, antes de viajar, mandei pra ele a Karen Dalton cantando "How Sweet It Is", desses meus presentes musicais de vez ou outra. Ele respondeu. Gostou da música. Achou feliz. Depois disse que gostar de mim era "como comer algo doce com um toque meio ácido, que dá arrepio na língua". Até hoje não sei bem o que foi esse "gostar de mim". Acho que ele também não. Mas, pensando um pouco, ele tentou colocar alguma coisa em palavras. Para organizar as ideias, de repente? E então gostar de mim era mais simples, como o "primeiro café do dia", o "último uísque da noite". "Sorvete de chocolate no inverno, picolé de limão no verão", "coca zero com gelo". E outras coisas mais.
sexta-feira, setembro 9
quarta-feira, setembro 7
terça-feira, setembro 6
:: Caderno de notas
Morre lentamente quem evita uma paixão, quem prefere o negro sobre o branco e os pontos sobre os "is" em detrimento de um redemoinho de emoções, justamente as que resgatam o brilho dos olhos, sorrisos dos bocejos, corações aos tropeços e sentimentos.
Morre lentamente quem não vira a mesa quando está infeliz com o seu trabalho, quem não arrisca o certo pelo incerto para ir atrás de um sonho, quem não se permite pelo menos uma vez na vida a fugir dos conselhos sensatos.
Morre lentamente, quem passa os dias queixando-se da sua má sorte ou da chuva incessante... Morre lentamente, quem abandona um projeto antes de iniciá-lo, não pergunta sobre um assunto que desconhece ou não responde quando lhe indagam sobre algo que sabe.
Evitemos a morte em doses suaves, recordando sempre que estar vivo exige um esforço muito maior que o simples fato de respirar. Somente a perseverança fará com que conquistemos um estágio pleno de felicidade.
Pablo Neruda
Morre lentamente quem evita uma paixão, quem prefere o negro sobre o branco e os pontos sobre os "is" em detrimento de um redemoinho de emoções, justamente as que resgatam o brilho dos olhos, sorrisos dos bocejos, corações aos tropeços e sentimentos.
Morre lentamente quem não vira a mesa quando está infeliz com o seu trabalho, quem não arrisca o certo pelo incerto para ir atrás de um sonho, quem não se permite pelo menos uma vez na vida a fugir dos conselhos sensatos.
Morre lentamente, quem passa os dias queixando-se da sua má sorte ou da chuva incessante... Morre lentamente, quem abandona um projeto antes de iniciá-lo, não pergunta sobre um assunto que desconhece ou não responde quando lhe indagam sobre algo que sabe.
Evitemos a morte em doses suaves, recordando sempre que estar vivo exige um esforço muito maior que o simples fato de respirar. Somente a perseverança fará com que conquistemos um estágio pleno de felicidade.
Pablo Neruda
segunda-feira, setembro 5
domingo, setembro 4
:: Pensamentos do sol
Quando o dia amahece assim, livre de nuvens, de céu azul, azul, me bate uma vontade mista. Uma vontade de sair para comprar flores. Uma vontade de desprender bons minutos (ou horas, quem sabe) ajeitando meus vasinhos pela minicasa ao som dessas meninas folk de que adoro e me dão alegria.
Tomo o meu leite com café de sempre, na caneca de bolinhas coloridas de sempre com a água gelada de sempe também.
E agora escuto The Be Good Tanyas e me vem um sentimento de leveza que nem me deixa ficar aflita com o fato de ter de ir, mais tarde, ao mercado para comprar meus itens básicos: ovos, leite, coca zero, papel-higiênico.
E me deu vontade de contar pra ele que hoje vou almoçar no papai e que lá é ainda melhor em dias de sol. Mas não sei se ele iria entender minha fixação pelo pé de limão-siciliano, carregado, que tem ali no jardim.
E também coisinhas tolas como o lugar que enfim conheci ontem, a Casa de Francisca, que entrou pra minha lista de cantinhos mais amáveis de São Paulo. Eu descreveria em detalhes, mas não sei se ele teria muita paciência. Ou se fecharia os olhos para visualizar. Também contaria do livro que estou lendo e dos livros que comprei ontem na minha adorada Livraria da Vila, depois de pegar aquela estrada livre, livre, sozinha, ouvindo minhas músicas prediletas e livrando a cabeça desse e daquele pensamento. Coisa boa.
Grifei mais montes do Tabucchi que agora chega quase ao final –e aquele vazio, ai, aquele vazio. E me encanto cada vez mais com aquelas cartas –aquelas cartas que os homens escrevem para as mulheres. E vou observando aquelas relações todas quase preparada para começar a ler o best-seller que compramos juntas ontem. Combinamos assim: vamos ler juntas, ao mesmo tempo, esse best-seller "Um Dia". E eu falei: será meu primeiro best-seller e isso me aflige um pouco. Mas tem essa coisa meio cafona de se reinventar, não tem?
Quando o dia amahece assim, livre de nuvens, de céu azul, azul, me bate uma vontade mista. Uma vontade de sair para comprar flores. Uma vontade de desprender bons minutos (ou horas, quem sabe) ajeitando meus vasinhos pela minicasa ao som dessas meninas folk de que adoro e me dão alegria.
Tomo o meu leite com café de sempre, na caneca de bolinhas coloridas de sempre com a água gelada de sempe também.
E agora escuto The Be Good Tanyas e me vem um sentimento de leveza que nem me deixa ficar aflita com o fato de ter de ir, mais tarde, ao mercado para comprar meus itens básicos: ovos, leite, coca zero, papel-higiênico.
E me deu vontade de contar pra ele que hoje vou almoçar no papai e que lá é ainda melhor em dias de sol. Mas não sei se ele iria entender minha fixação pelo pé de limão-siciliano, carregado, que tem ali no jardim.
E também coisinhas tolas como o lugar que enfim conheci ontem, a Casa de Francisca, que entrou pra minha lista de cantinhos mais amáveis de São Paulo. Eu descreveria em detalhes, mas não sei se ele teria muita paciência. Ou se fecharia os olhos para visualizar. Também contaria do livro que estou lendo e dos livros que comprei ontem na minha adorada Livraria da Vila, depois de pegar aquela estrada livre, livre, sozinha, ouvindo minhas músicas prediletas e livrando a cabeça desse e daquele pensamento. Coisa boa.
Grifei mais montes do Tabucchi que agora chega quase ao final –e aquele vazio, ai, aquele vazio. E me encanto cada vez mais com aquelas cartas –aquelas cartas que os homens escrevem para as mulheres. E vou observando aquelas relações todas quase preparada para começar a ler o best-seller que compramos juntas ontem. Combinamos assim: vamos ler juntas, ao mesmo tempo, esse best-seller "Um Dia". E eu falei: será meu primeiro best-seller e isso me aflige um pouco. Mas tem essa coisa meio cafona de se reinventar, não tem?
quarta-feira, agosto 31
segunda-feira, agosto 29
:: Coisas idiotas e inesperadas
E então hoje acordei bem cedinho porque a semana é longa. Depois de um acesso de raiva profunda pela madrugada, vontade de matar aqueles passarinhos dos infernos que resolveram fazer festinha às 5h da manhã na minha janela (oi?) e dos pedreiros que começaram a demolir o que resta do prédio aqui do lado da casinha para construir um novo, simplezinho, só de 30 andares (oi?), eu acordei, tomei meu leite com café e ficou tudo bem. Ai, o humor inabalável. E aí fiz algo que nunca tinha feito na vida: comecei a ouvir a letra "R" do iTunes. Surpresa boa:
Um Labirinto em Cada Pé - Romulo Froes
Águas de Março - Rosa Passos
Com que Roupa - Rosinha de Valença
L'Amour - Rouge Rouge
It Don't Mean A Thing - Russel Gunn
+ montes de Rubin Steiner
E então hoje acordei bem cedinho porque a semana é longa. Depois de um acesso de raiva profunda pela madrugada, vontade de matar aqueles passarinhos dos infernos que resolveram fazer festinha às 5h da manhã na minha janela (oi?) e dos pedreiros que começaram a demolir o que resta do prédio aqui do lado da casinha para construir um novo, simplezinho, só de 30 andares (oi?), eu acordei, tomei meu leite com café e ficou tudo bem. Ai, o humor inabalável. E aí fiz algo que nunca tinha feito na vida: comecei a ouvir a letra "R" do iTunes. Surpresa boa:
Um Labirinto em Cada Pé - Romulo Froes
Águas de Março - Rosa Passos
Com que Roupa - Rosinha de Valença
L'Amour - Rouge Rouge
It Don't Mean A Thing - Russel Gunn
+ montes de Rubin Steiner
domingo, agosto 28
:: Fofices
E então hoje era pra ser um dia de acordar de olhos inchados, meio tristonha, revendo as coisas tudo de novo. Cansada disso. Mas não. Foi tudo ao contrário. O sol tá lindo, lindo, brilhante e quentinho, eu estou pronta pra ir pra piscina para ler tudo sobre um tema aí que preciso estudar (e de que gosto muito). Já tomei meu leite matinal e minha água bem gelada indispensáveis e fui dar uma espiada no Pequeno Guia Prático. E aí aprendi agora que quando se ama muito, muito, se "ama coração". Olha que coisa que pincei de lá, dos escritos da minha amada-coração Mari BZ:
Sua filha de 3 anos também pode um dia olhar no fundo dos seus olhos e dizer:
- Sabe quanto eu te amo?
- Hum... (estica os braços afastados) isso?
- Mais.
- Daqui até aquela parede?
- Mais.
- Daqui até o quarto?
- Mais.
- Daqui até a sua escola?
- Mais
- Até o Rio de Janeiro?
- Mais.
- Até Paris?
- Mais.
- Até a lua?
- Mais.
- Até (e aqui você ri espertona porque tem certeza que matou a charada) o infinito?
- Mais.
- Ih, então não sei.
- Eu te amo... coração! (Pausa. Cara de dúvida.) Coração é mais que tudo, né mamãe?
E então hoje era pra ser um dia de acordar de olhos inchados, meio tristonha, revendo as coisas tudo de novo. Cansada disso. Mas não. Foi tudo ao contrário. O sol tá lindo, lindo, brilhante e quentinho, eu estou pronta pra ir pra piscina para ler tudo sobre um tema aí que preciso estudar (e de que gosto muito). Já tomei meu leite matinal e minha água bem gelada indispensáveis e fui dar uma espiada no Pequeno Guia Prático. E aí aprendi agora que quando se ama muito, muito, se "ama coração". Olha que coisa que pincei de lá, dos escritos da minha amada-coração Mari BZ:
Sua filha de 3 anos também pode um dia olhar no fundo dos seus olhos e dizer:
- Sabe quanto eu te amo?
- Hum... (estica os braços afastados) isso?
- Mais.
- Daqui até aquela parede?
- Mais.
- Daqui até o quarto?
- Mais.
- Daqui até a sua escola?
- Mais
- Até o Rio de Janeiro?
- Mais.
- Até Paris?
- Mais.
- Até a lua?
- Mais.
- Até (e aqui você ri espertona porque tem certeza que matou a charada) o infinito?
- Mais.
- Ih, então não sei.
- Eu te amo... coração! (Pausa. Cara de dúvida.) Coração é mais que tudo, né mamãe?
sábado, agosto 27
sexta-feira, agosto 26
:: A arte de não comer
- Esse aplicativo tá de brincadeira comigo. COmi uma canja no almoço e só tenho 126 calorias de crédito para acabar o dia.
- Eu comi 3 bisnaguinhas quero morrer
(silêncio)
- Cara, eu tô sendo a favor de começar a fazer a DIETA DA DELICIA. Só comer alimento industrializado, que tem as kcal na embalagem, porque nessa dieta eu como TORCIDA SABOR PIMENTA MEXICANA com Coca Light o dia inteiro e emagreço. Depois morre depois de 3 dias mas pelo menos vai no caixão M.
- Esse aplicativo tá de brincadeira comigo. COmi uma canja no almoço e só tenho 126 calorias de crédito para acabar o dia.
- Eu comi 3 bisnaguinhas quero morrer
(silêncio)
- Cara, eu tô sendo a favor de começar a fazer a DIETA DA DELICIA. Só comer alimento industrializado, que tem as kcal na embalagem, porque nessa dieta eu como TORCIDA SABOR PIMENTA MEXICANA com Coca Light o dia inteiro e emagreço. Depois morre depois de 3 dias mas pelo menos vai no caixão M.
segunda-feira, agosto 22
:: Pequenas alegrias
A semana mal começou e já tive uma sessão-desabafo. Ela é amável e me disse coisas quentinhas, mesmo nesta manhã cinza de frio. Na hora de dar tchau, mandou beijos e desejou "bom dia". Mas frisou, "não no modo automático de dizer, mas de fato!". E eu achei lindo e vim colar aqui para lembrar mais tarde, se der angústia de novo.
A semana mal começou e já tive uma sessão-desabafo. Ela é amável e me disse coisas quentinhas, mesmo nesta manhã cinza de frio. Na hora de dar tchau, mandou beijos e desejou "bom dia". Mas frisou, "não no modo automático de dizer, mas de fato!". E eu achei lindo e vim colar aqui para lembrar mais tarde, se der angústia de novo.
domingo, agosto 21
:: Domingo?
É domingo. Chove. O céu está completamente cinza e o vento está frio. E tenho de trabalhar um monte. Um monte mesmo. Por isso passei um cafezinho fresco agora há pouco e parei um pouco pra ouvir as músicas que ela me mandou --e assistir aos clipes. E funciona. Espanta essa coisa sem cor do dia e dá até certo gás pra entrar em ação. Vamos que vamos.
É domingo. Chove. O céu está completamente cinza e o vento está frio. E tenho de trabalhar um monte. Um monte mesmo. Por isso passei um cafezinho fresco agora há pouco e parei um pouco pra ouvir as músicas que ela me mandou --e assistir aos clipes. E funciona. Espanta essa coisa sem cor do dia e dá até certo gás pra entrar em ação. Vamos que vamos.
quinta-feira, agosto 18
quarta-feira, agosto 17
terça-feira, agosto 16
segunda-feira, agosto 15
quinta-feira, agosto 11
terça-feira, agosto 9
:: Caderno de notas
Lendo Tabucchi e grifando e anotando e grifando e anotando para reler e reler. Aos montes.
"Sei que estou mudando de assunto, que tudo isso não tem lógica, mas certas coisas, você sabe, não seguem nenhuma lógica que seja compreensível a nós que estamos sempre à procura da mesma lógica: causa efeito, causa efeito, causa efeito, só para dar sentido ao que não tem sentido."
Lendo Tabucchi e grifando e anotando e grifando e anotando para reler e reler. Aos montes.
"Sei que estou mudando de assunto, que tudo isso não tem lógica, mas certas coisas, você sabe, não seguem nenhuma lógica que seja compreensível a nós que estamos sempre à procura da mesma lógica: causa efeito, causa efeito, causa efeito, só para dar sentido ao que não tem sentido."
segunda-feira, agosto 8
quarta-feira, agosto 3
terça-feira, agosto 2
sexta-feira, julho 29
:: Criado-mudo
É o primeiro livro de Eliane Brum que leio. E é o primeiro dela que é ficção. E tem me pesado um tanto essa coisa da verdade das vidas. Ela diz coisas que grifo e que me afligem um pouco como essa história de que uma verdade pode ser contanda em pedacinhos bem pequenos de mentiras.
Ela fala do branco. "O branco não é a soma de todas as cores, mas a ausência de todos os sentimentos. O branco não tem dor nem medo nem vilania. Por isso é a cor da paz, porque é a soma do que subtrai o humano." Lembra do campo de girassóis negros. "Acho que foi a coisa mais triste que vi."
Gosto da imagem da xícara de chá e dos raios de sol: "O sol entra pelas frestas da cortina apenas o suficiente para não precisar de luz artificia, e há um cheiro de hortelã no ar. Me sinto dentro de uma xícara de chá".
É o primeiro livro de Eliane Brum que leio. E é o primeiro dela que é ficção. E tem me pesado um tanto essa coisa da verdade das vidas. Ela diz coisas que grifo e que me afligem um pouco como essa história de que uma verdade pode ser contanda em pedacinhos bem pequenos de mentiras.
Ela fala do branco. "O branco não é a soma de todas as cores, mas a ausência de todos os sentimentos. O branco não tem dor nem medo nem vilania. Por isso é a cor da paz, porque é a soma do que subtrai o humano." Lembra do campo de girassóis negros. "Acho que foi a coisa mais triste que vi."
Gosto da imagem da xícara de chá e dos raios de sol: "O sol entra pelas frestas da cortina apenas o suficiente para não precisar de luz artificia, e há um cheiro de hortelã no ar. Me sinto dentro de uma xícara de chá".
quarta-feira, julho 27
:: Intolerância
Tenho notado a minha crescente falta de tolerância com os motoristas de táxi que são over simpáticos. Me sinto amarga, mas, por favor, não puxe assunto do tempo, do trânsito e não busine. Não corra e vá cortando os outros carros e não ande a 30 km/h. Grata.
Hoje, no carro:
- Bom dia Luiza.
- Bom dia.
- E o tempo, hein, parece verão?
- É.
- Vou colocar o endereço aqui no GPS.
(e o GPS manda o cara pra esquerda)
- É à direita.
- Ai, esse GPS só é bom de caminho no fim.
(e eu pensei: ahm, cláudia!)
- Ah (um ah desinteressado).
Chegamos e eu salto do carro.
- Lindááá, pega meu telefone pra você ligar quando acabar. Te pego aqui.
(e eu pensei "lindááá???" deosdoceo)
E eu vou tomar o meu expresso curto.
- Luiza, você gosta de ouvir música? (adendo: o som às alturas, um inferno)
- Gosto. Mas não gosto de conversar.
Tenho notado a minha crescente falta de tolerância com os motoristas de táxi que são over simpáticos. Me sinto amarga, mas, por favor, não puxe assunto do tempo, do trânsito e não busine. Não corra e vá cortando os outros carros e não ande a 30 km/h. Grata.
Hoje, no carro:
- Bom dia Luiza.
- Bom dia.
- E o tempo, hein, parece verão?
- É.
- Vou colocar o endereço aqui no GPS.
(e o GPS manda o cara pra esquerda)
- É à direita.
- Ai, esse GPS só é bom de caminho no fim.
(e eu pensei: ahm, cláudia!)
- Ah (um ah desinteressado).
Chegamos e eu salto do carro.
- Lindááá, pega meu telefone pra você ligar quando acabar. Te pego aqui.
(e eu pensei "lindááá???" deosdoceo)
E eu vou tomar o meu expresso curto.
- Luiza, você gosta de ouvir música? (adendo: o som às alturas, um inferno)
- Gosto. Mas não gosto de conversar.
segunda-feira, julho 25
sábado, julho 23
terça-feira, julho 19
:: Tarde da noite
Sempre à noite, nos fechamentos intermináveis, parece que todo mundo, ao mesmo tempo, fica com a imaginação fértil. Hoje, a gente competindo pra ver quem ia sofrer mais amanhã, assim:
- E amanhã eu gravo às 10h e tenho maquiagem às 9h.
- Olha, pensa que vou a uma padaria e a um café e a uma doceria e a uma pastelaria, amanhã às 10h. Enquanto você fica maquiada, eu vou lá ficar gorda.
- Vou ficar maquiada às 9h MAS engordarei às 10h. Tem uma FÁBRICA de acarajés embaixo do restaurante.
Sempre à noite, nos fechamentos intermináveis, parece que todo mundo, ao mesmo tempo, fica com a imaginação fértil. Hoje, a gente competindo pra ver quem ia sofrer mais amanhã, assim:
- E amanhã eu gravo às 10h e tenho maquiagem às 9h.
- Olha, pensa que vou a uma padaria e a um café e a uma doceria e a uma pastelaria, amanhã às 10h. Enquanto você fica maquiada, eu vou lá ficar gorda.
- Vou ficar maquiada às 9h MAS engordarei às 10h. Tem uma FÁBRICA de acarajés embaixo do restaurante.
domingo, julho 17
:: Caminhos
Quero rever --e logo-- o documentário do Itamar Assumpção. Quero lembrar --e memorizar-- o que ele gostava de comprar na feira para depois cozinhar, além do peixe --o peixe eu memorizei. Quero rever a cena de "Milágrimas", que me fez chorar umas lágrimas, mas sem milagres. E que me fez lembrar de dias e dias de chorar e eu com aquela passagem fixa na cabeça de que se era impossível evitar as lágrimas que sentisse, então, o gosto do sal. Tenho disso até hoje, de sentir o gosto de sal. Quero ouvir ainda "Sei dos Caminhos". É uma que escuto aqui, agora, aliás, neste domingo lindo de sol. E gosto muito dessa imagem de saber dos caminhos que chegam, dos que se afastam e a ideia de não saber chegar ao próximo passo. Tenho pensado nessa coisa toda de próximo passo.
Quero rever --e logo-- o documentário do Itamar Assumpção. Quero lembrar --e memorizar-- o que ele gostava de comprar na feira para depois cozinhar, além do peixe --o peixe eu memorizei. Quero rever a cena de "Milágrimas", que me fez chorar umas lágrimas, mas sem milagres. E que me fez lembrar de dias e dias de chorar e eu com aquela passagem fixa na cabeça de que se era impossível evitar as lágrimas que sentisse, então, o gosto do sal. Tenho disso até hoje, de sentir o gosto de sal. Quero ouvir ainda "Sei dos Caminhos". É uma que escuto aqui, agora, aliás, neste domingo lindo de sol. E gosto muito dessa imagem de saber dos caminhos que chegam, dos que se afastam e a ideia de não saber chegar ao próximo passo. Tenho pensado nessa coisa toda de próximo passo.
sábado, julho 16
:: Aquela minha coisa com nomes
Montes de coisas para escrever de dias e dias. Mas eu podia passar horas só falando das pequenas felicidades de hoje. Chorei, mas achei lindo de morrer o documentário do Itamar Assumpção, por exemplo. Sorri aqui e ali, verdade. Com aquela história do encher de açúcar a xícara de café, até que o café suba ao topo. E a coisa de amar as orquídeas. E "Milágrimas" de pijama, no jardim. E a música que o Tatit gravou depois de compor com o Itamar ao telefone, do hospital. Essa coisa de não ser fácil ser Itamar. E aí fico pensando por que diabos não sustentei o nome original do Moacir, que era Itamar. Tenho essa coisa com nomes. Quem sabe, sabe.
Montes de coisas para escrever de dias e dias. Mas eu podia passar horas só falando das pequenas felicidades de hoje. Chorei, mas achei lindo de morrer o documentário do Itamar Assumpção, por exemplo. Sorri aqui e ali, verdade. Com aquela história do encher de açúcar a xícara de café, até que o café suba ao topo. E a coisa de amar as orquídeas. E "Milágrimas" de pijama, no jardim. E a música que o Tatit gravou depois de compor com o Itamar ao telefone, do hospital. Essa coisa de não ser fácil ser Itamar. E aí fico pensando por que diabos não sustentei o nome original do Moacir, que era Itamar. Tenho essa coisa com nomes. Quem sabe, sabe.
:: Caderno de notas
Texto lindo que ela me fez ler hoje. E encaixou perfeitamente. São dessas sensibilidades de que mais gosto.
"Gostaria de lhe escrever uma carta, uma carta verdadeira, atravessando os estratos de lava e de argila que a vida foi sedimentando sobre todas as coisas. Lhe diria que continuo sendo eu e que conservo sonhos. Lhe diria que ainda amo, embora os sentidos estejam cansados. (...)
Procurei você em cada átomo seu que está disperso no universo.
Recolhi quantos deles me foi possível, na terra, no ar, no mar, nos olhares e nos gestos dos homens. (...)
Lembra-se daquela senhora especialista em Tchekov...
Lembra da explanação que deu sobre as últimas palavras do escritor russo?
Ficamos ambos maravilhados.
Nem eu nem você sabíamos que Tchekov ao morrer tivesse dito: Ich sterb! Eu morro!
Pois é, morreu numa língua que não era a sua.
Que estranho, amou em russo, sofreu em russo, odiou em russo, viveu em russo e morreu em alemão.(...)
Aconteceu de modo natural, assim como surde a lua ou como neva
Virei e te beijei.
Depois com o indicador na frente dos lábios que tinham te beijado, sussurei: psssiu.
E te beijei novamente.
Pensava em você todos os dias.
Porque as pessoas podem ser felizes nos seus entretantos. Eu também. (...)
Te procuro no resplendor desse mar porque você o viu, e nos olhos do dono da mercearia, do farmacêutico, do velhinho que vende café gelado, naquela pracinha, porque talvez eles tenham visto você.
Estas coisas também coloquei no bolso, este bolso que sou em mesma e os meus sentidos.
Meu amor, me desculpe se ainda o chamo assim como chamava naquela época, depois de todos esses anos, mas não sei mesmo como chamá-lo.
Como é que uma pessoa se dirige ao homem amado que disse ' tchau, ate amanha', e nos abandonou sem deixar sequer um bilhete de explicação?
Gostaria de lhe escrever uma carta verdadeira, atravessando os escuros estratos de lava e de argila que a vida foi sedimentando sobre tudo.
Lhe diria que continuo sendo eu e que conservo sonhos.
A magnólia floresce. E também as crianças crescem.
Lhe diria: o tempo não espera. É feito de gotas.
Basta uma gota a mais para que o líquido se derrame no chão, se expanda e se perca.
Lhe diria que ainda amo, embora os sentidos estejam cansados."
*(créditos depois, porque ainda não descobri)
Texto lindo que ela me fez ler hoje. E encaixou perfeitamente. São dessas sensibilidades de que mais gosto.
"Gostaria de lhe escrever uma carta, uma carta verdadeira, atravessando os estratos de lava e de argila que a vida foi sedimentando sobre todas as coisas. Lhe diria que continuo sendo eu e que conservo sonhos. Lhe diria que ainda amo, embora os sentidos estejam cansados. (...)
Procurei você em cada átomo seu que está disperso no universo.
Recolhi quantos deles me foi possível, na terra, no ar, no mar, nos olhares e nos gestos dos homens. (...)
Lembra-se daquela senhora especialista em Tchekov...
Lembra da explanação que deu sobre as últimas palavras do escritor russo?
Ficamos ambos maravilhados.
Nem eu nem você sabíamos que Tchekov ao morrer tivesse dito: Ich sterb! Eu morro!
Pois é, morreu numa língua que não era a sua.
Que estranho, amou em russo, sofreu em russo, odiou em russo, viveu em russo e morreu em alemão.(...)
Aconteceu de modo natural, assim como surde a lua ou como neva
Virei e te beijei.
Depois com o indicador na frente dos lábios que tinham te beijado, sussurei: psssiu.
E te beijei novamente.
Pensava em você todos os dias.
Porque as pessoas podem ser felizes nos seus entretantos. Eu também. (...)
Te procuro no resplendor desse mar porque você o viu, e nos olhos do dono da mercearia, do farmacêutico, do velhinho que vende café gelado, naquela pracinha, porque talvez eles tenham visto você.
Estas coisas também coloquei no bolso, este bolso que sou em mesma e os meus sentidos.
Meu amor, me desculpe se ainda o chamo assim como chamava naquela época, depois de todos esses anos, mas não sei mesmo como chamá-lo.
Como é que uma pessoa se dirige ao homem amado que disse ' tchau, ate amanha', e nos abandonou sem deixar sequer um bilhete de explicação?
Gostaria de lhe escrever uma carta verdadeira, atravessando os escuros estratos de lava e de argila que a vida foi sedimentando sobre tudo.
Lhe diria que continuo sendo eu e que conservo sonhos.
A magnólia floresce. E também as crianças crescem.
Lhe diria: o tempo não espera. É feito de gotas.
Basta uma gota a mais para que o líquido se derrame no chão, se expanda e se perca.
Lhe diria que ainda amo, embora os sentidos estejam cansados."
*(créditos depois, porque ainda não descobri)
quinta-feira, julho 14
domingo, julho 3
:: Pequenas alegrias
Tem essas pequenas coisas de que gosto. Quando ele escreve pela manhã para dizer que teve um sonho lindo comigo e queria me ver, por exemplo. Ou quando chega uma música que combina comigo de alguém que ouviu e lembrou de mim. Gosto quando as meninas, lá de longe, me mandam e-mails longos, longos relembrando nossa infância. Ou de receber alguém especial para o café da manhã, num domingo feioso. E então arrumar a mesa com as minijarras de prata que eu trouxe da feira de antiguidade de Londres e nunca uso, já com leite. E vasinhos delicados e esperar minhas visitas amáveis ao som do tango de Piazzolla. E tem uns escritos de que gosto em particular, como esse lá de Portugal: "princesa, é incrível como eu me lembro de você nas viagens... coisas de menina, comidinhas, delicadezas para casa... uma porção de miudezas que eu penso sempre que só você seria capaz de entender". São coisas assim que gosto de anotar para reler. Dá aconchego mesmo quando se está triste ou só.
Tem essas pequenas coisas de que gosto. Quando ele escreve pela manhã para dizer que teve um sonho lindo comigo e queria me ver, por exemplo. Ou quando chega uma música que combina comigo de alguém que ouviu e lembrou de mim. Gosto quando as meninas, lá de longe, me mandam e-mails longos, longos relembrando nossa infância. Ou de receber alguém especial para o café da manhã, num domingo feioso. E então arrumar a mesa com as minijarras de prata que eu trouxe da feira de antiguidade de Londres e nunca uso, já com leite. E vasinhos delicados e esperar minhas visitas amáveis ao som do tango de Piazzolla. E tem uns escritos de que gosto em particular, como esse lá de Portugal: "princesa, é incrível como eu me lembro de você nas viagens... coisas de menina, comidinhas, delicadezas para casa... uma porção de miudezas que eu penso sempre que só você seria capaz de entender". São coisas assim que gosto de anotar para reler. Dá aconchego mesmo quando se está triste ou só.
sexta-feira, julho 1
quinta-feira, junho 30
segunda-feira, junho 27
domingo, junho 26
:: Sobre o nada e algumas vontades aleatórias
Existem vontades próprias de domingos chuvosos e friorentos. Eu tenho vontade de pantufas brancas, por exemplo. De manta amarela no sofá, com um livro de alguma história real, meio triste, talvez. Domingos chuvosos me fazem querer ouvir João Gilberto por horas e tomar chá. Se eu pudesse escolher, acho que faria isso. Colocaria João Gilberto para recebê-lo aqui. E a água a esquentar no meu bule verde-que-queima-a-mão. Sobre a mesa, ia deixar as xícaras do Ca'd'Oro separadas. Aquelas xícaras que não são particularmente bonitas, mas são antigas e são de bolinhas. E gostamos de velharias e acho que ele já aprendeu o quanto gosto de bolinhas. Acho. Acontece que a gente não pode fazer escolhas. Nem essas mais simples. E então levantei bem mais cedo do que eu queria, sem pantufas brancas, sem manta amarela, sem a lista inteirinha de João Gilberto, sem chá e sem a companhia dele e fui para o jornal. E não foi só o plantão, sabe. Foi o ir e o voltar em dia de Parada Gay e jogo do Corinthians.
Existem vontades próprias de domingos chuvosos e friorentos. Eu tenho vontade de pantufas brancas, por exemplo. De manta amarela no sofá, com um livro de alguma história real, meio triste, talvez. Domingos chuvosos me fazem querer ouvir João Gilberto por horas e tomar chá. Se eu pudesse escolher, acho que faria isso. Colocaria João Gilberto para recebê-lo aqui. E a água a esquentar no meu bule verde-que-queima-a-mão. Sobre a mesa, ia deixar as xícaras do Ca'd'Oro separadas. Aquelas xícaras que não são particularmente bonitas, mas são antigas e são de bolinhas. E gostamos de velharias e acho que ele já aprendeu o quanto gosto de bolinhas. Acho. Acontece que a gente não pode fazer escolhas. Nem essas mais simples. E então levantei bem mais cedo do que eu queria, sem pantufas brancas, sem manta amarela, sem a lista inteirinha de João Gilberto, sem chá e sem a companhia dele e fui para o jornal. E não foi só o plantão, sabe. Foi o ir e o voltar em dia de Parada Gay e jogo do Corinthians.
quinta-feira, junho 16
:: Diálogos inúteis
Não acreditava muito nessa coisa de urucubaca, mas, repara: estourei meu espelhinho numa árvore dia desses. Não conseguia dirigir então peguei o carro da minha mãe, que está viajando. Niqui eu peguei o automóvel dela, pouco depois, o espelhinho cai. Assim, supernormal. Cai! E então fui deixar o automóvel no mecânico e implorei, em tom de súplica:
- Pelamor, não me cobra caro senão vou te dar tudo os cheque sem-fundo.
Causei aquele constrangimento. E espero que funcione. De coração. Porque, né.
Não acreditava muito nessa coisa de urucubaca, mas, repara: estourei meu espelhinho numa árvore dia desses. Não conseguia dirigir então peguei o carro da minha mãe, que está viajando. Niqui eu peguei o automóvel dela, pouco depois, o espelhinho cai. Assim, supernormal. Cai! E então fui deixar o automóvel no mecânico e implorei, em tom de súplica:
- Pelamor, não me cobra caro senão vou te dar tudo os cheque sem-fundo.
Causei aquele constrangimento. E espero que funcione. De coração. Porque, né.
quarta-feira, junho 15
terça-feira, junho 14
:: Amizades musicais
Ela está lá do outro lado do mundo. Mas a gente sempre dá um jeito de alimentar nossa amizade musical com surpresas de dar alegria ao coração. Hoje ela apareceu com uma música que eu ouvia na adolescência, num passado muito remoto, quando eu dançava forró agarradinha. Uma música bem brasileirinha de presente de aniversário.
Ela está lá do outro lado do mundo. Mas a gente sempre dá um jeito de alimentar nossa amizade musical com surpresas de dar alegria ao coração. Hoje ela apareceu com uma música que eu ouvia na adolescência, num passado muito remoto, quando eu dançava forró agarradinha. Uma música bem brasileirinha de presente de aniversário.
:: Sobre manhãs e sobre o tempo
Desde pequena enrolei para acordar. Pulei o café da manhã por anos, anos. Por mais cinco minutos na cama. Tenho pavor da voz da minha mãe ecoando "força, força", como ela bradava, pelo corredor, quando era preciso levantar, sem choro nem vela.
Depois que me dei uma casa de presente, para amar e me sentir feliz, passei a acordar cedo, bem cedo. Passei a valorizar os minutos do banho e do escovar os dentes, os minutos do beber leite com café e água gelada. O tempo lento, que faço passar arrastado, de ler um pouco do jornal ou um livro de comida. Tem isso, não leio romances pela manhã.
Hoje acordei mais tarde do que eu devia. Mas mais cedo que eu me sentia capaz _tarde da noite que fui dormir ontem. E então fiz minhas tarefas matinais sem o sofrer do pouco sono. Peguei o carro de espelho quebrado, me levei até a manicure. E lá dei um trato nas unhas, no cabelo.
Depois deixei o carro para arrumar, para que eu não mate ninguém e nem me meta em nenhum acidente. Dirigir sem espelhinho não dá, apesar de eu gostar de certa emoção, vez ou outra. Para chegar ao jornal, peguei três transportes públicos (três-transporter-públicos!). E cheguei no horário e estou a trabalhar. Borrei a unha, claro, mas já tenho um lide _e já me afeiçoei por ele.
Desde pequena enrolei para acordar. Pulei o café da manhã por anos, anos. Por mais cinco minutos na cama. Tenho pavor da voz da minha mãe ecoando "força, força", como ela bradava, pelo corredor, quando era preciso levantar, sem choro nem vela.
Depois que me dei uma casa de presente, para amar e me sentir feliz, passei a acordar cedo, bem cedo. Passei a valorizar os minutos do banho e do escovar os dentes, os minutos do beber leite com café e água gelada. O tempo lento, que faço passar arrastado, de ler um pouco do jornal ou um livro de comida. Tem isso, não leio romances pela manhã.
Hoje acordei mais tarde do que eu devia. Mas mais cedo que eu me sentia capaz _tarde da noite que fui dormir ontem. E então fiz minhas tarefas matinais sem o sofrer do pouco sono. Peguei o carro de espelho quebrado, me levei até a manicure. E lá dei um trato nas unhas, no cabelo.
Depois deixei o carro para arrumar, para que eu não mate ninguém e nem me meta em nenhum acidente. Dirigir sem espelhinho não dá, apesar de eu gostar de certa emoção, vez ou outra. Para chegar ao jornal, peguei três transportes públicos (três-transporter-públicos!). E cheguei no horário e estou a trabalhar. Borrei a unha, claro, mas já tenho um lide _e já me afeiçoei por ele.
:: Pequenas alegrias
Ele foi curto e grosso. Me disse que eu tinha de parar naquele minuto, estivesse fazendo o que estivesse, por oito minutos e uns quebrados, para a gente assistir, ao mesmo tempo, um vídeo que ele separou pra mim. Eu obedeci, sem pestanejar, e amei mais ainda tê-lo como amigo _embora ainda não esteja recuperada com o fato de que ele não estará presente no dia iluminado em que me torno, oficialmente, uma balzaquiana. Antes, pedi dois minutos, um pra ir ao banheiro, outro para me servir de uma tacinha de cristal de licor.
Ele foi curto e grosso. Me disse que eu tinha de parar naquele minuto, estivesse fazendo o que estivesse, por oito minutos e uns quebrados, para a gente assistir, ao mesmo tempo, um vídeo que ele separou pra mim. Eu obedeci, sem pestanejar, e amei mais ainda tê-lo como amigo _embora ainda não esteja recuperada com o fato de que ele não estará presente no dia iluminado em que me torno, oficialmente, uma balzaquiana. Antes, pedi dois minutos, um pra ir ao banheiro, outro para me servir de uma tacinha de cristal de licor.
segunda-feira, junho 13
terça-feira, junho 7
:: Os amores para sempre
A gente inventou isso. Essa coisa de que temos um amor para sempre. Um pelo outro. Que a gente gosta de estar perto _falantes ou em silêncio. Que a gente pode ficar horas abraçados (num aperto só) ouvindo a respiranção ou falando baixinho. Que podemos nos beijar. Ou não. Às vezes também podemos desprender horas que se perdem no tempo só olhando um pro outro e ouvindo aquela trilha de coisas que gostamos igual. Os discos do Air. O "Transa" do Caetano. O jazz de Dave Brubeck _e outros, tantos outros. E então era pra gente ter passado o Ano-Novo juntos. Talvez ele viesse para a minha festinha de flores brancas e biscoito Globo e músicas cuidadosamente selecionadas por mim. Talvez pulássemos tudo para termos só a nós, no meio daquela multidão que povoa os arredores da casa dele, em Copacabana. No fim, era fim de ano e não nos vimos. Nem nos abraçamos. Nem nos falamos. Nem nos olhamos. E ali ficou um buraco de alguma coisa que ainda não sei explicar _mas hei de. Hoje nos falamos de novo. Depois de meses, acho. E sempre nos prendemos em um ponto só, que pode ou não se desdobrar em outros e outros. Nos prendemos nesse lance de como a gente se gosta. Tentamos entender a distância. Uma distância que veio de repente. E que, na verdade, vem e vai. Se havia uma paixão que nos tirou a concentração do real, quem sabe. Mas não. A gente sabe. A paixão nunca, nunca nos separou nestes anos todos. Então ele me contou um pouco da menina que fez aumentar sua "ressaca de mulher", mas prometeu discorrer longamente sobre os massacres do coração num dia desses. Eu falei um pouco da tristeza que é se fechar pra não sentir mais. E não sofrer mais. E não viver mais. Falamos ainda sobre o hoje, o ontem, o anteontem. E combinamos uma coisa. "Vamos combinar uma coisa? Ou basta de combinações na vida?". E então ficou acertado que vamos ficar perto pra sempre. E que vamos nos proteger dessa coisa de fazer virar namoro. Vamos nos proteger mutuamente. Ah! Ficou combinado também que vamos para a Amazônia.
A gente inventou isso. Essa coisa de que temos um amor para sempre. Um pelo outro. Que a gente gosta de estar perto _falantes ou em silêncio. Que a gente pode ficar horas abraçados (num aperto só) ouvindo a respiranção ou falando baixinho. Que podemos nos beijar. Ou não. Às vezes também podemos desprender horas que se perdem no tempo só olhando um pro outro e ouvindo aquela trilha de coisas que gostamos igual. Os discos do Air. O "Transa" do Caetano. O jazz de Dave Brubeck _e outros, tantos outros. E então era pra gente ter passado o Ano-Novo juntos. Talvez ele viesse para a minha festinha de flores brancas e biscoito Globo e músicas cuidadosamente selecionadas por mim. Talvez pulássemos tudo para termos só a nós, no meio daquela multidão que povoa os arredores da casa dele, em Copacabana. No fim, era fim de ano e não nos vimos. Nem nos abraçamos. Nem nos falamos. Nem nos olhamos. E ali ficou um buraco de alguma coisa que ainda não sei explicar _mas hei de. Hoje nos falamos de novo. Depois de meses, acho. E sempre nos prendemos em um ponto só, que pode ou não se desdobrar em outros e outros. Nos prendemos nesse lance de como a gente se gosta. Tentamos entender a distância. Uma distância que veio de repente. E que, na verdade, vem e vai. Se havia uma paixão que nos tirou a concentração do real, quem sabe. Mas não. A gente sabe. A paixão nunca, nunca nos separou nestes anos todos. Então ele me contou um pouco da menina que fez aumentar sua "ressaca de mulher", mas prometeu discorrer longamente sobre os massacres do coração num dia desses. Eu falei um pouco da tristeza que é se fechar pra não sentir mais. E não sofrer mais. E não viver mais. Falamos ainda sobre o hoje, o ontem, o anteontem. E combinamos uma coisa. "Vamos combinar uma coisa? Ou basta de combinações na vida?". E então ficou acertado que vamos ficar perto pra sempre. E que vamos nos proteger dessa coisa de fazer virar namoro. Vamos nos proteger mutuamente. Ah! Ficou combinado também que vamos para a Amazônia.
quarta-feira, junho 1
terça-feira, maio 31
segunda-feira, maio 30
:: Sobre as flores
Outro dia, uma amiga encheu meu coração de alegria. Disse que estava se sentindo como se fosse eu, a caminho da floricultura, para comprar flores. Aí lembramos todas juntas de Mrs Dalloway, aquele trecho que fala que "decidiu que iria ela mesma comprar as flores". Que tanto acho lindo. Hoje foi outra. Pediu para que eu chegasse logo ao jornal. E pensei que fosse a saudade de um fim de semana que nos separou. Mas não. Ou não só. Ela me trouxe flores. E escreveu, no caderninho de bolacha (também presente dela), um bilhetinho delicado, como é tudo que ela encosta a mão. "Miniflores para a minicasa", dizia. "E uma semana muito feliz!" Assim, sem mais nem menos. Só pra gente celebrar nossa amizade e ter, enfim, uma semana mais colorida e leve. Quem sabe?
Outro dia, uma amiga encheu meu coração de alegria. Disse que estava se sentindo como se fosse eu, a caminho da floricultura, para comprar flores. Aí lembramos todas juntas de Mrs Dalloway, aquele trecho que fala que "decidiu que iria ela mesma comprar as flores". Que tanto acho lindo. Hoje foi outra. Pediu para que eu chegasse logo ao jornal. E pensei que fosse a saudade de um fim de semana que nos separou. Mas não. Ou não só. Ela me trouxe flores. E escreveu, no caderninho de bolacha (também presente dela), um bilhetinho delicado, como é tudo que ela encosta a mão. "Miniflores para a minicasa", dizia. "E uma semana muito feliz!" Assim, sem mais nem menos. Só pra gente celebrar nossa amizade e ter, enfim, uma semana mais colorida e leve. Quem sabe?
quarta-feira, maio 25
:: Uma relação antiga
Ela tinha um tato incrível para a música. E aprendeu, desde muito cedo, a acreditar em Deus. É assim até hoje. Tem a música, tem Deus, tem os afetos e os desafetos. Outro dia sentamos naquela sala mais reservada, de janelões de vidro, abertos para uma parte do jardim. Do outro lado da parede, um pouco atrás, eles estavam preparando a quatro mãos (e às vezes seis) uma massa recheada artesanal.
Depois de misturar o espinafre batidinho, esticaram a massa naquela máquina de macarrão, com uma manivela. Em seguida, rechearam pequenos quadradinhos com um queijo um pouco mais firme e mais amarelado que a mussarela de búfala.
Enquanto isso, estávamos na sala, de papo. Eu mexia na mão direita dela com delicadeza, dedo por dedo. Até que ela sentisse. Vez ou outra ela esticava o braço esquerdo até o copo d'água temperada que estava sobre a mesinha triangular que temos desde os tempos em que morávamos em família. Tomava um gole e apoiava de novo. E seguíamos conversando.
Contei, lá pelas tantas, que li a autobiografia da Nina Simone e o que ela realmente almejava era se tornar a primeira concertista negra de piano clássico. Por isso colocava-se a tocar uma, duas, três horas por dia. Tocava Bach. Aprendeu tudo de Bach. Assim como minha vozinha. Bach, pra Nina Simone, pra minha vozinha e pra mim é o predileto. Falamos então de pianistas clássicos, ela me contou um tanto sobre Beethoven, outro tanto sobre o próprio Bach. Chegou a falar alguma coisa de Chopin.
Acontece assim. Passamos horas conversando, se deixar. Mas sempre tem a coisa do tempo, me puxando pra cá e pra lá. Depois ficamos dias e dias sem nem nos falar. A mão direita dela ainda não está boa, mas tem melhorado, aos poucos. Faz pirraça da antiga fisioterapeuta. Ela dizia que minha bunda era durinha, acredita? E minha mão, nada de melhorar, disse dia desses.
E agora, que está com uma fisioterapeuta nova, que faz exercícios pontuais, contou que está até catando feijão. Tô catando feijão e amassando massinha de modelar. Mas não essas massinhas de criança, não. E seu pai outro dia fez uma feijoada aqui e dá-lhe feijão para catar. Hoje mesmo, acabaram de me dar outro saco de feijão para escolher.
Ela tem um humor que me espanta. Que é lindo de ver. Aos 86 anos, mãos livres de rugas, teve de sair da casa dela no interior, onde cuida do jardim e do gato, para ficar aqui, na casa do meu pai, até que recupere os movimentos da mão, depois da queda. Está há meses já sem tocar piano. E ainda assim, mantém o bom humor. É um exemplo. Porque eu sou atacada pelo cansaço, pela TPM, pela saudade da minha mãe, das minhas amigas que moram fora. E ela firme. De uma vitalidade que dá alegria.
Tem pastas e pastas, que hei de herdar, com todos os recortes de jornal em que meu avô saia. Às vezes acho que esse ritual de ficar na casa dela quando pequena, brincar de cabeleireiro e fazer nhoque, e depois ficar esparramada no chão vendo essas pastas, com os recortes de jornal, me fizeram, de certa forma, querer o jornalismo. E talvez, vai saber, essa coisa dela ter sido uma famosa atriz de rádio tenha me criado essa vontade louca de ser locutora.
E, sabe, desde que comecei a escrever no jornal da cidade grande, naquele caderno de circulação nacional, ela passou a guardar minhas reportagens também. Uma a uma. Estão todas organizadas na casa dela. Mas desde que teve de vir para São Paulo, parou. O jornal não é meu aqui, né. Me disse. Mas pedi para que ela continuasse guardando, porque ela era a única pessoa que cuidava dos meus escritos. E eu amo.
Conversamos longamente ao telefone, neste dia em que me proibiram de ir ao trabalho. Olha, deviam fazer uma revistinha pra gente poder colecionar melhor, viu? Disse sobre o caderno novo. A revistinha é mais prática, sabe?, e dá para colecionar melhor, a gente pode colocar em qualquer lugar e fica uma belezinha. Mal sabe ela que tudo que ela faz fica, por natureza, uma belezinha.
Ela tinha um tato incrível para a música. E aprendeu, desde muito cedo, a acreditar em Deus. É assim até hoje. Tem a música, tem Deus, tem os afetos e os desafetos. Outro dia sentamos naquela sala mais reservada, de janelões de vidro, abertos para uma parte do jardim. Do outro lado da parede, um pouco atrás, eles estavam preparando a quatro mãos (e às vezes seis) uma massa recheada artesanal.
Depois de misturar o espinafre batidinho, esticaram a massa naquela máquina de macarrão, com uma manivela. Em seguida, rechearam pequenos quadradinhos com um queijo um pouco mais firme e mais amarelado que a mussarela de búfala.
Enquanto isso, estávamos na sala, de papo. Eu mexia na mão direita dela com delicadeza, dedo por dedo. Até que ela sentisse. Vez ou outra ela esticava o braço esquerdo até o copo d'água temperada que estava sobre a mesinha triangular que temos desde os tempos em que morávamos em família. Tomava um gole e apoiava de novo. E seguíamos conversando.
Contei, lá pelas tantas, que li a autobiografia da Nina Simone e o que ela realmente almejava era se tornar a primeira concertista negra de piano clássico. Por isso colocava-se a tocar uma, duas, três horas por dia. Tocava Bach. Aprendeu tudo de Bach. Assim como minha vozinha. Bach, pra Nina Simone, pra minha vozinha e pra mim é o predileto. Falamos então de pianistas clássicos, ela me contou um tanto sobre Beethoven, outro tanto sobre o próprio Bach. Chegou a falar alguma coisa de Chopin.
Acontece assim. Passamos horas conversando, se deixar. Mas sempre tem a coisa do tempo, me puxando pra cá e pra lá. Depois ficamos dias e dias sem nem nos falar. A mão direita dela ainda não está boa, mas tem melhorado, aos poucos. Faz pirraça da antiga fisioterapeuta. Ela dizia que minha bunda era durinha, acredita? E minha mão, nada de melhorar, disse dia desses.
E agora, que está com uma fisioterapeuta nova, que faz exercícios pontuais, contou que está até catando feijão. Tô catando feijão e amassando massinha de modelar. Mas não essas massinhas de criança, não. E seu pai outro dia fez uma feijoada aqui e dá-lhe feijão para catar. Hoje mesmo, acabaram de me dar outro saco de feijão para escolher.
Ela tem um humor que me espanta. Que é lindo de ver. Aos 86 anos, mãos livres de rugas, teve de sair da casa dela no interior, onde cuida do jardim e do gato, para ficar aqui, na casa do meu pai, até que recupere os movimentos da mão, depois da queda. Está há meses já sem tocar piano. E ainda assim, mantém o bom humor. É um exemplo. Porque eu sou atacada pelo cansaço, pela TPM, pela saudade da minha mãe, das minhas amigas que moram fora. E ela firme. De uma vitalidade que dá alegria.
Tem pastas e pastas, que hei de herdar, com todos os recortes de jornal em que meu avô saia. Às vezes acho que esse ritual de ficar na casa dela quando pequena, brincar de cabeleireiro e fazer nhoque, e depois ficar esparramada no chão vendo essas pastas, com os recortes de jornal, me fizeram, de certa forma, querer o jornalismo. E talvez, vai saber, essa coisa dela ter sido uma famosa atriz de rádio tenha me criado essa vontade louca de ser locutora.
E, sabe, desde que comecei a escrever no jornal da cidade grande, naquele caderno de circulação nacional, ela passou a guardar minhas reportagens também. Uma a uma. Estão todas organizadas na casa dela. Mas desde que teve de vir para São Paulo, parou. O jornal não é meu aqui, né. Me disse. Mas pedi para que ela continuasse guardando, porque ela era a única pessoa que cuidava dos meus escritos. E eu amo.
Conversamos longamente ao telefone, neste dia em que me proibiram de ir ao trabalho. Olha, deviam fazer uma revistinha pra gente poder colecionar melhor, viu? Disse sobre o caderno novo. A revistinha é mais prática, sabe?, e dá para colecionar melhor, a gente pode colocar em qualquer lugar e fica uma belezinha. Mal sabe ela que tudo que ela faz fica, por natureza, uma belezinha.
domingo, maio 22
:: Diálogos inúteis
Tenho essa coisa louca com os diálogos inúteis. Gosto de tomar nota para que depois eu possa vir aqui, reler, e rir do nada. Feito idiota.
Outro dia, no restaurante:
Ele: Não acredito que a empresa fatura só 3,5 por ano.
Ela: 3,5 bi-lhões-de-eu-ros.
Já noutro dia:
Eu: E então, na viagem, abracei até Exu.
Ela, desesperada: Ele estava usando desodorante, pelo menos?
Tenho essa coisa louca com os diálogos inúteis. Gosto de tomar nota para que depois eu possa vir aqui, reler, e rir do nada. Feito idiota.
Outro dia, no restaurante:
Ele: Não acredito que a empresa fatura só 3,5 por ano.
Ela: 3,5 bi-lhões-de-eu-ros.
Já noutro dia:
Eu: E então, na viagem, abracei até Exu.
Ela, desesperada: Ele estava usando desodorante, pelo menos?
sexta-feira, maio 20
quinta-feira, maio 19
quarta-feira, maio 18
segunda-feira, maio 16
:: Pequenas alegrias
Amo ele da ponta dos fios de cabelo até a sola dos pés. Hoje fiz uma voz de choro para que desse um jeito de almoçar comigo. E deu. Nos encontramos na hora marcada, sem atrasos. E ganhei ímã de geladeira que ele trouxe de Berlim, de minisushis. Ele sabe, sou louca por comida e por miniaturas e então ele juntou tudo numa coisa só. Mais tarde veio puxar assunto e eu lutando contra um texto. Um texto que escrevi, me apaixonei e precisava cortar infinito. Coisa de fazer doer. Me perguntou,c omo quem não quer nada, se eu tinha o disco do Snoopy. Do Snoopy mesmo, o cachorrinho-fofo-das-nossas-infâncias. "The Vince Guaraldi Trio", disse. "É tão sua cara". E então me mandou uma música por e-mail. E eu parei tudo para ouvir. Ouvimos juntos. E a gente se entendeu tão bem na nossa vontade de chorar. "Acho que estou sensível. Me deu vontade de chorar", falei. Foi igual pra ele. Uma vontade de chorar. E então a gente riu. A gente sempre ri alto. Eu daqui, ele de lá. Depois me contou que lembrou da vovó Zoraide, a vovozinha querida dele, que morreu há 11 anos. Ai. E eu no play pela terceira vez, numa tacada só. E aquele choro na garganta de uma coisa que misturava cansaço com tristeza e uma coisa que chama emoção que não sei bem o que é. Nunca soube. Fiquei quieta. E ele disse que geralmente quando ouve "uma música muito linda, penso em você". Por isso eu vim aqui. Por isso.
Amo ele da ponta dos fios de cabelo até a sola dos pés. Hoje fiz uma voz de choro para que desse um jeito de almoçar comigo. E deu. Nos encontramos na hora marcada, sem atrasos. E ganhei ímã de geladeira que ele trouxe de Berlim, de minisushis. Ele sabe, sou louca por comida e por miniaturas e então ele juntou tudo numa coisa só. Mais tarde veio puxar assunto e eu lutando contra um texto. Um texto que escrevi, me apaixonei e precisava cortar infinito. Coisa de fazer doer. Me perguntou,c omo quem não quer nada, se eu tinha o disco do Snoopy. Do Snoopy mesmo, o cachorrinho-fofo-das-nossas-infâncias. "The Vince Guaraldi Trio", disse. "É tão sua cara". E então me mandou uma música por e-mail. E eu parei tudo para ouvir. Ouvimos juntos. E a gente se entendeu tão bem na nossa vontade de chorar. "Acho que estou sensível. Me deu vontade de chorar", falei. Foi igual pra ele. Uma vontade de chorar. E então a gente riu. A gente sempre ri alto. Eu daqui, ele de lá. Depois me contou que lembrou da vovó Zoraide, a vovozinha querida dele, que morreu há 11 anos. Ai. E eu no play pela terceira vez, numa tacada só. E aquele choro na garganta de uma coisa que misturava cansaço com tristeza e uma coisa que chama emoção que não sei bem o que é. Nunca soube. Fiquei quieta. E ele disse que geralmente quando ouve "uma música muito linda, penso em você". Por isso eu vim aqui. Por isso.
Assinar:
Postagens (Atom)